AMÉRICA está longe de ser perfeita, diz Sônia Feres-Lloyd

AMÉRICA

Vivendo na América desde 1993, a musicista Sônia Feres-Lloyd diz que nem tudo são flores por lá. Nos Estados Unidos, racismo e preconceito ainda são coisas bem reais. Sônia não quer que o Brasil fique parecido com aquele país. “Gostaria que os brasileiros possam viver bem e ter qualidade de vida saudável”, afirma. A entrevista com a violista:

Você nasceu em Jundiaí? 

Sim. Quando nasci, a minha família morava numa casa na rua Marechal Deodoro. No ano seguinte nós nos mudamos para a casa na rua Prudente de Moraes, na qual os meus pais ainda moram hoje. Estudei no Conde do Parnaíba, do pré até a 7ª serie. Da 8ª ao 3º colegial estudei no Instituto de Educação, que hoje se chama Bispo Dom Gabriel Paulino Bueno Couto.

Sônia e a amiga Tecris Rodrigues, em 1992

Trabalhou por aqui? 

Meu primeiro trabalho mesmo, foi quando estava com 17 anos e comecei a dar aulas de viola na Escola de Música de Jundiaí. A memória confunde um pouco entre trabalho e brincadeira. Quando eu tinha cinco anos a minha mãe, Josette Feres, começou uma turminha de iniciação musical com crianças mais ou menos da minha idade, na garagem da nossa casa. Esta classe acabou dando inicio ao que é hoje a Escola de Música de Jundiaí. Então praticamente cresci na “escolinha,” como era carinhosamente chamada, participando de aulas e ajudando um pouquinho também. Lembro de tocar piano nessas aulas, desde uns 10 ou 11 anos, e aos 13, ajudando outras crianças, tomando lições de flauta doce. A transição acabou sendo natural, e aos 17 anos comecei trabalhar oficialmente na EMJ como professora de viola.

Ainda tem família na cidade? 

Sim, meus pais, Josette e Samy Feres, e minhas irmãs Claudia Feres (e filho Raffaele) e Luciana Feres Nagumo (marido Eduardo, e filho Luca). Infelizmente não é possível ir ao Brasil com frequência. Gostaria de poder ir pelo menos uma vez por ano. A última vez que estive no Brasil foi em dezembro de 2017.

É casada? Tem filhos?

Sou casada William Lloyd, americano. Temos uma filha, a Clara, de 15 anos.

O que mais sente falta daqui?

Sinto falta da minha família, dos meus pais e irmãos. De estar perto deles e poder dar um abraço. Sentar na cozinha da casa dos meus pais e tomar um café com eles, bater papo. Sinto falta da atmosfera da casa deles, sempre com gente indo e vindo, o pessoal da escola de musica, vizinhos, amigos, parentes. Tudo de bom!

E o que menos sente falta de Jundiaí?

De ruas e calcadas desiguais e com buracos, principalmente numa cidade cheia de subidas e decidas como Jundiaí, difícil para caminhar e perigoso também.

Há quanto tempo vive nos Estados Unidos?

Estou aqui desde janeiro de 1993, em Baton Rouge, capital do estado da Louisiana. Uma amiga brasileira, Tecris Rodrigues, estava estudando aqui na Luisiana State University, fazendo o mestrado em violoncelo, e em janeiro de 1992 eu vim visitá-la. Conheci a escola, o professor de viola e os alunos dele, e gostei muitíssimo de tudo, e fui aceita para voltar e fazer o mestrado no ano seguinte, com uma bolsa de estudos da LSU.

O que foi mais difícil na sua adaptação?

A língua. Inglês sempre foi o meu ponto fraco. Meu inglês era suficiente apenas para ler, mas não para me comunicar com as pessoas. A timidez não ajudava muito também. Mas a maioria dos professores com quem trabalhei aqui era muito paciente, talvez pelo fato da LSU ter um número muito grande de alunos estrangeiros.

O que tem de curioso por aí, na sua opinião?

Nos bairros, a maioria das casas não tem muro, cerca, nem portão – quase nada separando a sua casa da dos seus vizinhos.

Qual seu olhar para o Brasil e Jundiaí hoje?

Infelizmente, me sinto um pouco como turista quando vou a Jundiaí. Não por escolha, mas porque a minha vida e trabalho é aqui já há 26 26 anos. Esta também está sendo uma época complicada ai, e devo dizer que a forma como vejo o Brasil tem mudado. Ainda penso no Brasil e em Jundiaí com muito carinho, mas também com muita preocupação.

Em algum momento pensou que não conseguiria se adaptar? Chegou a arrumar as malas e pensar em voltar?

Sim, teve um momento, em dezembro de 1995, em que pensei em arrumar as malas e voltar para o Brasil. Quando estava perto do final do meu mestrado LSU, conheci uma professora de viola da University of Northern Colorado, e ela me ofereceu uma bolsa para fazer o doutorado lá e eu fui. Não me adaptei com o frio do Colorado e tanta neve. Tive alguns problemas de saúde. No final daquele ano decidi tentar transferir o meu doutorado de volta para a LSU, pensando que se não fosse aceita, voltaria para o Brasil. Mas acabou dando certo.

As pessoas respeitam os brasileiros ou não nos levam a sério?

De um modo geral sim, principalmente quando se está no meio universitário e artístico. Posso dizer que nesse tempo que estou aqui conheci muitas pessoas brasileiras – a maioria músicos que trouxeram e continuam trazendo uma contribuição bem grande para cá. Muito orgulho para o Brasil. Gente com garra, com vontade de aprender e também de mostrar a nossa cultura por aqui. E sinto que os professores aqui apreciam e valorizam muito isso também…

O que exatamente faz aí?

Sou musicista, violista da orquestra da cidade, Baton Rouge Symphony, e professora de musica. Meu marido e eu temos uma pequena escola de musica, o Children’s Music Studio, onde trabalhamos juntos com um curso de musica e movimento para crianças de 0 a 5 anos, o Music Together®; e também onde dou aulas particulares de violino e viola.

Em algum momento sentiu vergonha de ser brasileiro? 

Sinto muita tristeza com a situação atual do Brasil, com tanta desigualdade social, preconceito, e violência. Com o desprezo à educação e cultura por parte dos nossos governantes – coisas que são tao necessárias para se criar uma sociedade mais justa e humana para todos. Este ano está especialmente difícil, com noticias ruins vindo do Brasil todos os dias. Talvez uma das coisas mais decepcionantes, saber que recentemente o governo ia fazer uma comemoração de um dos momentos mais nefastos da historia brasileira. Mas não, isso não me faz ter vergonha de ser brasileira. Só me faz sentir tristeza. Quando vejo noticias de coisas boas acontecendo no Brasil, como iniciativas nos setores científicos, educacionais e artísticos, com a intenção de proporcionar uma vida melhor para todos, mesmo com tantas dificuldades e tao pouco apoio, sim, sinto orgulho de ser brasileira. Tem muita gente tentando fazer coisas boas ai. E tem também pessoas que se sacrificam para ajudar ao próximo, como no caso dos bombeiros em Brumadinho há pouco tempo. Tem uma frase de Mr. Rogers, famoso por seus programas na TV infantil americana, Mister Rogers’ Neighborhood (O Bairro do Mr. Rogers): “When I was a boy and I would see scary things in the news, my mother would say to me ‘Look for the helpers. You will always find people who are helping’ To this day, especially in times of ‘disaster,’ I remember my mother’s words and I am always comforted by realizing that there are still so many helpers – so many caring people in this world”.(Quando eu era criança costumava ver coisas assustadoras nos jornais. Eu lembro quando minha mãe dizia para procurar pessoas que possam ajudar. Você sempre achará pessoas que ajudam. Eu me sentia reconfortado com isto.Nestes dias, em tempos de desastres, lembro as palavras dela. Eu percebi que existem pessoas preocupadas neste mundo e que podem ajudar)

Faz comparações entre Jundiaí e seu atual endereço?

Tento não fazer. É muito complicado isso. Cada lugar tem as suas próprias características. Sim, aqui temos muitas facilidades, mas muitos problemas também.

Aliás, chega a dizer que é de Jundiaí?

Sim, digo que sou de Jundiaí, e com orgulho. E acho engraçado quando as pessoas daqui tentam repetir o nome, que lhes parece diferente. Alguns ficam curiosos e querem saber mais, sobre a cidade, localização, tamanho, a cultura e culinária.

O que mais gosta e o que menos gosta dos Estados Unidos?

A coisa que mais me impressiona aqui na cidade são as bibliotecas públicas. São várias, grandes, e com programações e cursos gratuitos para pessoas de todas as idades. O que menos gosto aqui é o sistema de transporte público, que é muito ruim. Gostaria que a cidade fosse feita mais para as pessoas andarem, mas em alguns lugares não tem nem calcadas. É uma cidade basicamente feita para pessoas que têm carro, infelizmente.

Você acha que nós, brasileiros, conseguiremos um dia chegar ao nível do país onde vive atualmente? 

Apesar das muitas facilidades que existem aqui para se viver, este país está longe de ser perfeito. Muitos dos problemas que vemos no Brasil acontecem aqui também, e talvez tenham ainda piorado mais nos últimos anos. Racismo e preconceito são coisas muito reais, e as desigualdades sociais aumentando cada vez mais. Os casos de assassinatos em massa aqui, principalmente em escolas, é uma coisa que não tenho nem palavras para expressar. O meu desejo para o Brasil não é que chegue ao nível daqui, mas que se torne um pais onde todas as pessoas possam viver bem, ter uma qualidade de vida saudável, tanto física como espiritualmente.

Já encontrou outros brasileiros por aí?

Sim, muitos brasileiros, principalmente os que vem estudar na LSU. Mas há alguns anos atrás aconteceu uma coisa curiosa. Fui contratada para tocar em uma orquestra, em um concerto conjunto com um dos corais da LSU. Antes do concerto alguém mencionou que havia uma brasileira naquele coral e eu fui procura saber quem era. Para a minha surpresa, ela não só era brasileira, mas jundiaiense , Cleusia Goncalvez, que estava aqui fazendo o doutorado em regência coral na LSU naquela época. E tem também a minha companheira de estante na Baton Rouge Symphony, Monica de La Hoz, de Campinas, que também fez o doutorado em viola na LSU.

Pretende, um dia, voltar?

Quem sabe? Mas se voltar, sim, acho que gostaria de voltar para Jundiai.

O que Jundiaí poderia ‘importar’ do seu atual endereço?

As bibliotecas publicas – sou apaixonada por elas!

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