A armadilha da MERITOCRACIA

Já pararam para analisar qual seria o motivo desta palavrinha “bonita” – a meritocracia – ter sido tão usada por determinados grupos políticos, principalmente nos últimos 15 anos? Ao pé da letra e numa visão simplista, ao alcance de todos, corresponde a quanto mais o sujeito se esforçar, der o melhor de si, mais méritos obterá, mais será reconhecido e valorizado. Acrescente-se aí também a “motivação” para alçar voos maiores.

Parece tão óbvio que qualquer questionamento pode parecer injusto. Mas analisemos pelo lado dos valores universais, do Criador. Na Bíblia encontramos várias passagens fazendo referências ao que salva o homem: fé e obras. A união destas duas. Uma sem a outra não salva. A fé sem obras é morta. Obras sem fé, são obras a serviço de algo, alguma coisa, e não do propósito de Deus. Qual é o propósito de Deus? Despertar no homem a consciência pela vida, e não somente a sua vida, sua salvação individualista, egoísta. A consciência pela vida leva a produzir obras pelo outro, pelo próximo, ser um servidor. Não ser servidor por haver um prêmio em jogo (o céu). Se assim fosse, Deus seria um “negociante” com sua criação. Mas não, tanto Deus como seu representante máximo, Cristo, deixaram bem claro que o servir é algo recíproco, que deve brotar de forma espontânea, por amor e não por interesse. Logo, Deus não é um “meritocrata”, a promessa de salvação não é um negócio, porque se fosse, além de estimular o interesse egoísta, tão comum nas pessoas, daria a impressão de que Deus fez o homem para tapar imperfeições de tudo que foi criado. E não é isso, o propósito de Deus é que o homem preserve aquilo que lhe foi dado, que está pronto e funcionando.

Entendamos aqui que servidores todos os seres humanos são, espiritualmente e profissionalmente, independentemente de crença e exercício profissional, público ou privado.

Voltando para a política. A ansiedade pela aplicação da tal meritocracia nos últimos anos revela algo dentro desse contexto universal colocado acima. Se tudo o que foi construído pelos políticos em nosso país, nosso estado, nossa cidade, está necessitando de “premiações” para estimular certas categorias, é porque algo está errado. Primeiramente, a base nasceu errada e não houve dos gestores vontade ou capacidade para reconhecer o erro e mudar projetos. Notem que na criação de Deus, o projeto estava certo, bastando aos homens darem continuidade à preservação. Já neste caso político, os projetos persistiram no errado. Aí surgiu a “necessidade” de usar os servidores para tapar os buracos, dar um douramento na pílula. E nada mais interessante que estimulá-los com ganhos, premiações, homenagens.

Analisando psicologicamente, qual o efeito na cabeça dos servidores? “Vou me esforçar para ser reconhecido”. Mas os defensores da meritocracia já gritarão: “ele não está se esforçando por egoísmo, pensando só em seus prêmios, está se esforçando para trabalhar melhor pela população, atingir a excelência na prestação de serviços à população”. Ok, beleza. Mas a partir desse estímulo meritocrata, cria-se uma dependência, uma amarração ao poder gestor. Ele fica tão preocupado com os méritos que poderá alcançar com seu esforço que passa a não fiscalizar, cobrar ou sequer questionar o poder gestor. Se existem prêmios em jogo, melhor ficar ali na dele, garante não só um possível prêmio como o mais sagrado, seu emprego. É aí que o poder gestor fica mais tranquilo, acomodado. Por mais que se lance aos porões da corrupção, erre e insista em projetos errados do passado, não será questionado. E os servidores vão tapando os buracos dos erros e omissões dos gestores com a injeção do estímulo dos méritos.

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Homenagens por atos de bravura, honra ao mérito, premiações sempre existiram, em todos os países, em situações de guerra ou cotidianas. Nada errado nisso. Reconhecimentos pelo esforço, dedicação ao trabalho e honestidade é algo nobre. Houve uma época em que havia mais pessoas arriscando suas vidas pela pátria, por seu povo, pelo próximo. Era por um ideal de vida, e não por dependência de um poder estabelecido. A suspeita surge quando méritos passam a ser usados de uma forma sistemática, desesperada, como jargão político/partidário/ideológico, numa tentativa de resolver problemas crônicos atribuídos sempre a um adversário, a um bode expiatório. Afinal, não são eles, os gestores, os mandantes, que vão a campo, à guerra. São seus servidores, que, de repente, passaram a ser robôs dessa tal meritocracia, precisando receber cada vez mais estímulo para dourar a pílula, tapar buracos, enxugar o gelo. Aqui no caso, ao contrário dos icebergs naturais que estão derretendo, os icebergs dos políticos continuam crescendo, porque os tempos mudam, a cultura da humanidade vai se transformando… e os projetos de nossos políticos mesquinhos não acompanham a marcha. E o paredão de problemas cresce. Chegará uma hora em que a coisa vai estourar. A menos que a população acorde antes e enxergue que tudo o que vem sendo feito e apregoado, não só a meritocracia, mas também outras “ideias”, são puras armadilhas para manter a população presa ao poder deles.


GEORGE ANDRÉ SAVY

Técnico em Administração e Meio Ambiente, escritor, articulista e palestrante. Desenvolve atividades literárias e exposições sobre transporte coletivo, área que pesquisa desde o final da década de 70.