Sabemos que a água é fundamental para a vida, aprendendo-se desde cedo, instintivamente, nas ações mais cotidianas como bebendo, banhando-se, limpando e, na medida em que vamos crescendo, observando o ambiente ao nosso redor, seja no campo ou na cidade.

Ainda que haja unanimidade em relação a esta importância, no mundo todo vivemos problemas crônicos: que inviabilizam o seu uso, com a sua contaminação; que colocam à prova sua finitude, com o desperdício e a diminuição de sua quantidade disponível, fatores que se somam na exaustão paulatina das fontes naturais de água. É sobre esse aspecto que nos debruçaremos, entendendo melhor como esse elemento vital tem em si grandes aliados que o regenera, mantém e o faz crescer, que são as florestas, especialmente as árvores.

Olha só: aqui em nossa cidade conhecemos o Rio Jundiaí, cuja sub-bacia do rio Jundiaí Mirim abastece cerca de 95% da população atravessando de ponta a ponta o município. O Rio Guapeva, de menor extensão, está à nossa vista, na avenida Dr. Odil de Campos Saes. A rede hidrográfica abrange aqueles ainda menores, mas não menos importantes, como o Córrego das Valquírias, para citar um deles, que aflora entre a avenida Ferroviários e a Rua do Retiro, e também lá pelas bandas do Jardim Samambaia…todos têm em comum serem abastecidos por outros rios, afluentes e nascentes, estas últimas o sendo pelos lençóis freáticos.


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Os lençóis freáticos têm em seu nome sua razão de ser: são como verdadeiros “lençóis” subterrâneos, com água acumulada de chuva que vão ocupando os espaços vazios debaixo na terra, entre camadas de rochas impermeáveis. Como podem se situar em diversas profundidades, afloram aos pés de morros, nas encostas, ou mesmo na superfície, nos chamados “olhos d´água”, formando os banhados, ou brejos.

A água que neles circula pode vir de diferentes lençóis freáticos que se comunicam, embaixo da terra, muitas vezes aflorando em locais improváveis, posto que distantes do local de captação dessa água, pois aproveitam cada poro que encontram para se infiltrar e passar, distribuindo-se por áreas muito extensas. Vejam como exemplo o Aquífero Guarani, enorme sistema hidrogeológico que corresponde a uma área de 1 milhão de km2 (Hirata et al, 2015), formado de águas subterrâneas e que aproveita a quatro países, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

Voltemos aos poros que a água encontra embaixo da terra.

Como eles são formados? Baggio A.J et al nos falam de forma categórica:

O único elemento da natureza que facilita a penetração da água até camadas mais profundas do solo são as árvores, devido à constante renovação de suas raízes que, ao apodrecerem, formam verdadeiras redes de canais. Por isso, o desmatamento generalizado é a principal causa de redução da produção de água nas nascentes (…)

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Desta forma, quando chove, as gotas encontram o caminho ideal para chegarem ao solo e às suas camadas mais profundas, abastecendo de forma extremamente eficiente o lençol freático que ali encontra, protegido e distribuído por diversas camadas subterrâneas. Se for chuva forte, há um amortecimento imediato dessas gotas no solo: as folhas e ramos absorvem esse impacto, e a água escorre pelo tronco, encontrando o solo e ali penetrando, lenta e progressivamente, pelas centenas de milhares de milimétricas raízes que mantém abertos os caminhos e os poros vazios para acumulação dessa água.

Qual a situação contrária? Inexistindo árvores, as gotas de chuva incidirão diretamente na terra, e sua infiltração será expressivamente menor, mas com escorrimento maior pela superfície, levando com ela a camada mais superficial do solo, o deixando desprotegido duplamente, o que acarretará ao longo do tempo uma desagregação de suas partículas, gerando a erosão, quando ele literalmente “se parte”, e, em casos mais extremos, as chamadas “voçorocas”, com metros de profundidade e extensão. Ainda, se de forma contínua, esse resíduo chegará aos corpos dágua, contribuindo para seu assoreamento, ou seja, para a sua deposição e conseqüente diminuição da vazão de água pelo excesso de terra ali depositada.

A presença de árvores nas encostas dos morros, nas áreas que ladeiam os rios, riachos, várzeas, brejos e especialmente as nascentes, nas chamadas APP´s (áreas de proteção permanente), não só fazem esse papel primordial na retenção da água preciosa para todos os seres vivos: mas suas raízes, fortes e numerosas, se aderem firmemente ao solo, mantendo sua extensa flora de micro-organismos bem como conservando com máxima eficiência as margens dos corpos d´água. Essas margens, assim protegidas, garantem a vazão mesmo nos períodos anuais de variação da precipitação (estações secas/chuvosas) e portanto o abastecimento dos reservatórios para a população, rural e urbana.

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Portanto, não se trata apenas de cobrir com vegetação as áreas que estão contíguas aos corpos d´água, mas qualificar esta vegetação, com informações técnicas que visem o resultado real de conservação e manutenção da rede hidrográfica.

Experiência bem sucedida é a prática proposta por Ernst Götsch (Agenda Götsch, 2017): em 1984 esse agricultor suíço fixou-se em uma fazenda de 500 ha no sul da Bahia, degradada e improdutiva, transformando ao longo dos anos a terra em água. Até o nome do local mudou, de “Fazenda Fugidos da Serra” para “Fazenda Olhos d´água”, fazendo brotar novamente 14 nascentes que também haviam fugido, mas retornaram pela transformação do solo propício a elas, ao cultivo de cacau e banana, entre outros, restabelecendo a flora e fauna típicas do bioma Mata Atlântica e com muitas árvores: afinal, são 410 ha reflorestados. A figura mostra como era e como ficou (abaixo).

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Como isso se deu? Götsch, junto a uma associação que leva seu sobrenome, é o maior divulgador dos benefícios ambientais e financeiros do método sintrópico, cujo fundamento pode estar associado respectivamente à Permacultura, à Agrofloresta, à Agricultura Regenerativa e à Agroecologia, trabalhando a favor da natureza e não contra ela, associando cultivos agrícolas com florestais e recuperando os recursos ao invés de explorá-los.

Mas existe um começo: vimos como o simples recebimento de uma gota de chuva pelas árvores é fundamental para a qualidade de qualquer fonte de água, assim como trabalhar com estratégias que venham ao encontro de processos já existentes na natureza, que podem enriquecem sobremaneira nossas ações de forma positivamente duradoura. Até a próxima!(fotos e ilustração: arquivo pessoal)

 

VIDAELIANA CORRÊA AGUIRRE DE MATTOS

Engenheira agrônoma e advogada, com mestrado e doutorado na área de análise ambiental e dinâmica territorial (IG – UNICAMP). Atuou na coordenação de curso superior de Gestão Ambiental, consultoria e certificação em Sistemas de Gestão da qualidade, ambiental e em normas de produção orgânica agrícola