O que você acha de vestir uma blusa…de URTIGA?

Mas que pergunta descabida! Roupa daquela planta que só de pensar dá urticária? Pois sim, ela mesma, a urtiga, cujo nome vem do latim urere, que quer dizer “queimar”. A fama da urtiga é grande e remonta há séculos, exatamente pela qualidade peculiar comum a outras do gênero: seus ramos e folhas são revestidos de pelos que se assemelham a agulhas. Quando os tocamos eles penetram facilmente na pele, partindo-se e liberando uma substância ácida que provoca imediata sensação de queima, forte coceira e irritação no local afetado. Quem já teve esse desprazer não se esquece como arde: dizem que é uma das poucas plantas reconhecíveis no escuro…

Mas aí que está a maravilha das plantas, nos oferecendo sempre seu variado leque de qualidades e, para tanto, basta conhecê-las. Vale a sabedoria popular combinada com pesquisa envolvendo áreas da botânica, agronomia, materiais, química, farmacêutica, têxtil em um sem-fim de experimentos e descobertas, pois cada vez que os anos avançam, tecnologias são aprimoradas com novas técnicas e campos de aplicação: passos na aventura do conhecimento!

Mas onde entram as roupas nessa história? Olha só: descobriu-se que as fibras da urtiga são ocas, podendo assim acumular ar em seu interior e gerar isolamento térmico natural. Daí foi um pulo para que segmentos inovadores da indústria têxtil, especialmente aqueles que buscam novos materiais sustentáveis e não menos rentáveis o utilizassem em linha de vestuário das mais descoladas e exitosas para toda a cadeia produtiva: de quem produz a quem usa.

É bom que se diga que conhecer essa particularidade das fibras da urtiga se deve a pesquisas novas; no entanto, ainda que não se soubesse a fundo, foram elas as usadas na indústria têxtil pela Inglaterra na 1ª Guerra Mundial, posto que os ingleses detinham o monopólio do comércio de algodão, inclusive fabricando com essas fibras uniformes para as tropas alemãs.

Voltando ao século 21, vamos à Holanda: o programa “Sustainable RAW” foi iniciado em 2010 pela famosa marca de jeans holandesa G-Star Raw, lançando a linha “Raw Nettle”, com produtos confeccionados com a fibra da urtiga, conforme vemos na imagem da abertura deste artigo. Nettle, em inglês, significa “urtiga” e a marca tem investido pesado em outras linhas, como algodão orgânico e reciclado, impulsionando na prática a ideia de envolvimento do segmento têxtil em materiais renováveis, naturais, com mínimos impactos no ciclo produtivo, especialmente no aspecto da saúde.

Isso porque a urtiga tem mais uma carta na manga: é planta bem rústica, isto é, tem grande resistência em climas e solos muitas vezes desfavoráveis, mantendo-se produtiva, inclusive sendo pouco afetada por insetos e doenças. Isso significa o não uso de agrotóxicos pelos agricultores, grande trunfo para saúde de todos inseridos na produção.

No Brasil ela cresce espontaneamente em terrenos baldios, ruínas e campos abandonados pelo ser humano; o cultivo em escala comercial é realizado para fins farmacêuticos, pois não é a toa que a urtiga já era conhecida pelo botânico londrino herbolista Nicholas Culpeper(1616 – 1654), que viveu no século XVII, o qual já sabia de seu grande poder curativo.

Por possuir altos teores do elemento ferro como o espinafre, figurou como ingrediente tradicional de sopas e mingaus para curar anemias de crianças europeias ainda no século XX (1901-2000); além disso,estimula funções digestivas, especialmente estômago e pâncreas, e é diurético.

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No entanto, uma vez que a planta possui restrições de uso e toxicidade, há de saber usá-la corretamente no caso de ingestão, seja em alimentos ou chás, pois todo cuidado é pouco.

O uso das fibras da urtiga também tem ares italianos: o estilista Kean Etroa trouxe na sua coleção masculina primavera/verão 2015 na “meca” da moda, a cidade de Milão, na mostra chamada “Alimente o planeta. Energia para a vida”, na qual se propunham investimentos criativos em linha de tecidos sustentáveis para manter a biodiversidade na agricultura, gerando assim alimento e energia em segmentos diversos mas unidos na inclusão econômica, social e ambiental.

Nada como estar antenado com o que está além do mundo que nos cerca: para frente é que se anda!


ELIANA CORRÊA AGUIRRE DE MATTOS

Engenheira agrônoma e advogada, com mestrado e doutorado na área de análise ambiental e dinâmica territorial (IG – UNICAMP). Atuou na coordenação de curso superior de Gestão Ambiental, consultoria e certificação em Sistemas de Gestão da qualidade, ambiental e em normas de produção orgânica agrícola.

 

 

 


CRÉDITOS DAS FOTOS

. Princial: Tecido feito com fibra de urtiga

https://bit.ly/2PyzNLs

 

. Imagem2:urtiga.

https://bit.ly/2Fq8oHa