Isto é um assunto muito sério: o COCÔ vale quanto pesa

Anteriormente, escrevi sobre a urina e a terapia que a utiliza como fonte de saúde, agora, falaremos sobre as fezes, também conhecido como cocô, titica, excremento ou dejeto.

Considera o assunto estranho? Pois é, na faculdade ouvi de um professor: “Se tu não entendes de merda, não entendes de merda nenhuma.” Embora grosseiro, eu entendi a referência, ele quis dizer que as fezes dizem muito sobre a saúde do indivíduo (poderia ter respondido assim né?).

As fezes são formadas no final do trato digestório, chamado de intestino grosso.

Após a absorção de alimentos, inicia-se o processo de digestão. O alimento ingerido passa por transformações químicas e físicas para aproveitar tudo o que for possível, principalmente, água e nutrientes (glicose, sais minerais, aminoácidos) e eliminar tudo o que agride o organismo.

A digestão começa na boca, com a mastigação e mistura dos alimentos à saliva. O bolo alimentar segue na direção faringe-esôfago, onde sofrerá ação mecânica do peristaltismo dessa região, para atingir o estômago já bem misturado.

No estômago, com pH muito ácido (entre 1,5 e 2) devido à presença de ácido clorídrico, pepsina, renina e lipases, o bolo alimentar misturado à essas substâncias, passa a se chamar quimo. Do estômago segue para o intestino delgado em, aproximadamente três horas, dependendo de fatores como consistência dos alimentos, composição, quantidade e mastigação.

Outros fatores também afetam esse processo, como consumo de cigarros e estresse. A nicotina provoca a diminuição da pressão do esfíncter inferior do esôfago, facilitando o refluxo gastroesofágico (sabe aquela queimação na parte superior do abdômen? Ou mesmo dor torácica? Podem ser causadas pelo consumo de cigarro que atrapalha o fluxo de alimentos). Além disso, a substância aumenta o risco de úlcera péptica e dificulta sua cura.

O estresse influencia na secreção de cortisol, aumentando a produção de ácido pelo estômago, o que causa dor e desconforto. Ademais, há uma regulação entre o cérebro e o intestino que é essencial para vários processos vitais, como regulação do apetite e da ingestão de alimentos. Pessoas nas quais essa regulação bilateral está comprometida podem ter manifestações de dor abdominal, diarreia ou constipação, a que chamamos de “síndrome do intestino irritável”.

Nesta linha de raciocínio, uma vez que o quimo chega ao intestino delgado, na primeira porção, o duodeno, ainda ocorre digestão, principalmente, daqueles grupos de alimentos que passaram incólumes pelo estômago, como carboidratos e gorduras. Suas paredes cheias de microvilosidades, totalmente adaptadas à absorção, começam seu trabalho de absorver nutrientes para enviá-los à corrente sanguínea, bem como ao longo de suas outras porções, o jejuno e íleo. À medida que o quimo avança, menos nutrientes e mais sais e água vão sendo absorvidos.

Nos seres humanos o alimento pode levar cerca de nove horas para transitar no organismo e chegar como uma massa uniforme ao intestino grosso, onde permanece por cerca de três dias. Nesse período, parte da água (10 a 12 litros) e sais são absorvidos, para que na região final do cólon, a massa fecal se solidifique, transformando-se, desta forma,em fezes.

Quando levei meus filhos pela primeira vez na nutricionista, pois, são atletas e agora a atenção ao que comem é triplicada, eles só não choraram de rir quando ela mostrou uma tabela com foto de vários tipos de cocô, porque tiveram vergonha (do cocô, da nutricionista e de parecerem muito idiotas, mas riram muito quando entramos no carro para ir embora).

Chama-se Escala de Bristol ou Escala de fezes de Bristol. É uma escala médica destinada a classificar a forma das fezes humanas em sete categorias. Foi desenvolvida pelo Dr. Ken Heaton na Universidade de Bristol e publicada no Scandinavian Journal of Gastroenterology em 1997.

Eis os sete tipos de fezes:

  1. Caroços duros e separados, como nozes (difícil de passar);
  2. Forma de salsicha, mas granuloso;
  3. Como uma salsicha, mas com fissuras em sua superfície;
  4. Como uma salsicha ou serpente, suave e macio;
  5. Bolhas suaves com bordas nítidas (facilmente expelido);
  6. Peças fofas com bordas em pedaços;
  7. Aquoso, sem partes sólidas, inteiramente líquido.

Tipos 1 e 2 indicam obstipação. Tipos 3 e 4 são consideradas ótimas, particularmente,estas, uma vez que são mais fáceis de passar na defecação. Tipos 5–7 estão associados com tendência de aumento de diarreia ou de urgência.

Muito se engana quem pensa que apenas enzimas digerem os macroelementos da dieta. As bactérias têm uma participação importante em vários processos, inclusive, na digestão. Elas formam a flora intestinal, classificadas em: permanente e transitória.

A flora permanente está ligada à mucosa do intestino e muito bem adaptada ao ambiente, enquanto que, a transitória vem da parte anterior/superior do trato digestório e varia conforme o ambiente e tipo de alimento ingerido. Apesar de povoar todo o sistema, encontramos maior número no cólon (a parte mais longa do intestino grosso).

OUTROS ARTIGOS DA FISIOLOGISTA ELAINE FRANCESCONI

MENSTRUAÇÃO, SANGRIA INÚTIL

FELICIDADE ORGÁSMICA

OS SEGREDOS DA BORBOLETA

AS PIORES DORES DO MUNDO

HERPES É SAPINHO?

DORMIR É PRECISO, VIVER NÃO É PRECISO

JEJUM EMAGRECE?

O desequilíbrio da flora intestinal pode acarretar inúmeros problemas, tais como:má absorção de nutrientes, diarreia, inflamações e até Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCTs) como obesidade e diabetes melitos tipo 2. Segundo a nutricionista Tassia Ap. B. Vivian, do Centro de Saúde Geraldo Paula Souza.

Atualmente, já se pratica transplante de bactérias intestinais, nos casos de pessoas com diarreia persistente. Essa técnica foi utilizada com sucesso em 2013, no hospital Albert Einstein e segue até hoje com uma taxa de cura superior a 95%.

“Não há dúvidas de que o cocô pode salvar vidas”, disse o biólogo Seth Bordenstein, da Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos. Ele afirma que os transplantes de fezes também têm sido usados para tratar condições como a Esclerose Múltipla, doença de Crohn, obstipação, Síndrome do Intestino Irritável e Mal de Parkinson, mas, indubitavelmente, o potencial é muito maior.

Uma porção de fezes de um ser humano saudável contém cerca de 100 bilhões de bactérias por grama, porém, a mesma porção de “cocô saudável” também pode conter aproximadamente 100 milhões de vírus e arqueas – um tipo de organismo celular que, anteriormente, era classificado como bactéria. Além desses, uma única grama de cocô contém 10 milhões de colonócitos (células epiteliais humanas que ajudam a proteger o cólon) e cerca de um milhão de leveduras e outros fungos unicelulares.

Juntos, estes componentes biológicos fazem parte de uma matéria fecal adulta composta por 75% de água e 25% sólidos. Segundo Bordenstein, é pouco provável que as bactérias, por si só, façam do transplante um remédio eficaz para curar problemas no intestino humano. “Essa investigação está apenas começando”, disse ele.

Assim, segundo o estudioso, quando os cientistas identificarem as formas específicas que produzem resultados positivos poderão sintetizá-las ou cultivá-las e acondicioná-las em uma pílula. “Isso irá reduzir o fator nojento que poderia melhorar a aceitação pública desta nova forma de tratamento”, explicou.

Certamente, o fator nojento acompanha esse assunto aonde quer que vá. Mas, tem gente lucrando com isso, acredita?

Cada ser humano tem a capacidade de gerar de 135 a 180 litros de esgoto por dia – uma estimativa que inclui a água descartada em nossos banheiros, pias e máquinas de lavar, além de fezes e urina.

Tratar e lidar com esses dejetos,tem um alto custo e demanda tempo. Mas, em vez de classificar excrementos humanos como algo que devemos nos livrar, algumas empresas estão conseguindo transformá-los em algo útil – e até lucrativo.

Ecaaaa!!!!

A empresa Northumbrian Water passou a ser reconhecida como especialista no aproveitamento do que eles chamam de a “energia do cocô”: uso de dejetos humanos para geração de gás e eletricidade.

A energia é gerada a partir de um processo chamado digestão anaeróbia, que captura o metano e o dióxido de carbono liberados por bactérias, “digerindo” o esgoto. Os gases são utilizados para impulsionar motores que geram eletricidade. Parte da energia, também é utilizada diretamente na rede. A empresa tem duas plantas de biogás, que juntas reduziram a conta anual de energia da companhia em cerca de 20%. No total, estima-se uma economia de 15 milhões de libras (R$ 64 milhões) por ano.

Se todos os dejetos humanos fossem coletados e utilizados para a geração de biogás, o valor poderia chegar a US$ 9,5 bilhões (cerca de R$ 32,7 bilhões) ou o suficiente para abastecer 138 milhões de casas – algo como Indonésia, Brasil e Etiópia combinados, segundo cálculo da ONU.

Um equipamento, criado pela empresa de engenharia Janicki Bioenergy, dos Estados Unidos, converte o esgoto em água potável e energia, cujo subproduto são cinzas.A companhia tem um projeto-piloto em Dacar, no Senegal e trata, atualmente, os dejetos de 50 mil a 100 mil pessoas. A água foi declarada como “deliciosa” por Bill Gates, que financiou o projeto por meio da Fundação Bill e Melinda Gates.

A esperança repousa na possibilidade de que, diversas dessas máquinas estarão disponíveis ao redor do mundo – a ideia é que cada uma delas processe o esgoto de até 200 mil pessoas e possa prover água para 35 mil.

É vegetariano? Não gosta do sabor da soja? O pesquisador japonês Mitsuyuki Ikeda criou em laboratório uma terceira via: a carne feita de excremento humano.

Sim, você leu certo. Excremento. Eeeeeecaaaaaa!!!!!!

Ikeda pega placas de lodo do esgoto, que contêm muitas fezes humanas, dali retira as proteínas e os lipídios que passam por um processo intenso de calor para matar as bactérias e, depois, mistura proteína de soja e molho de carne, para ficar palatável.

Ao fim do processo, a comida de Ikeda é formada por 635g de proteínas, 25% carboidratos, 3% de lipídios e 9% de minerais. Custa de 10 a 20 vezes mais que a carne normal que compramos no açougue, porque ainda é só uma pesquisa, contudo, Ikeda nutre a esperança que ela passe a ser comercializada em larga escala e garante que terá o preço igual ao da “carne tradicional”.

Muitas opções para as nossas fezes, não é mesmo?

Estou torcendo para que dê certo, por que reciclar é urgente e necessário para a nossa vida na Terra. Produzimos muito de tudo: lixo, excrementos e gases poluentes. Precisamos dar um destino melhor para tudo isso.

E não esqueça: as fezes humanas podem ser úteis, mas preste atenção ao informativo encontrado em um banheiro qualquer:

“Suas fezes não são arte para ser apreciada, e sua urina não é perfume para ser inalado, portanto, dê descarga, obrigado!


ELAINE FRANCESCONI

Bacharel em Zootecnia (UNESP Botucatu). Licenciatura em Biologia (Claretiano Campinas). Mestrado (USP Piracicaba) e doutorado (UNICAMP Campinas) em Fisiologia Humana. Professora Universitária e escritora.