Está brincando de contente, NÃO É POLIANA????

Passei muitos dias sem rede de comunicações; ao mudar da casa para o apartamento, fui alertado de que no condomínio não havia possibilidade de manter a fibra ótica e que teria como única opção uma determinada empresa, que todos elogiavam muito e apontavam milhares de vantagens. Apesar do silêncio, que é bom porque ajuda a pensar e isto eu sei fazer muito bem, percebi como tem gente brincando de contente, não é Poliana???

De agosto até 20 dias atrás, já recebi os técnicos desta empresa, por no mínimo cinco vezes, porque a TV fica sem sinal ou o telefone fixo fica mudo (como sempre perguntam: para que fixo em 2019? E eu respondo: porque está no pacote e não tem pacote sem fixo, neste caso). Mas, vamos em frente. Hoje voltei a existir para o ‘cibermundo’.

Confesso que os primeiros cinco dias foram difíceis pois estava acostumado a receber mensagens de meus amigos e alunos e por facilitar meu trabalho, à distância, no entanto, foram momentos de uma alegria intensa, pois me isolou de tudo que pudesse me atormentar.

Sim, porque é um querendo saber porque eu não vou visitá-lo, outro querendo saber se eu li a última do Bolsonaro Filho, outro querendo saber se eu ouvi a fala de intragável Gleisi Hoffmann, e alguns querendo saber se quero comprar isso ou ampliar aquilo. Sem contar que o silêncio potencializa as indagações dos menos próximos: será que aconteceu algo sério com ele?

Sim, aconteceu sim, nobre e nefasto personagem: eu fiquei sem comunicação, mas continuo vivo, para sua infelicidade. De grave só a descrença e a insegurança que paira sobre o país, nestes dias iniciais de novo governo. Só isso. No mais, vamos caminhando com a mesma certeza de sempre: atento a tudo e a todos.


Daí uma colega me encontra no Santander e diz: o que você acha desta equipe que seguiu a Davos, que nenhum dos membros fala inglês? Eu fiquei surpreso com a pergunta de tão erudita colega. Afinal, será que nas reuniões internacionais anteriores nossos presidentes falavam inglês? Lula? Dilma? Mas resolvi poupar minha saliva e minha paciência, não sem antes dizer que o Moro já fez palestra em inglês, tanto na ONU, como Unesco e num encontro de legisladores, na Bélgica.

Para tal resposta, ouço apenas: mas ele não fala bem, né? E vou responder o que, para esta exigente cidadã que avalia a língua estrangeira moderna dos membros de uma equipe de oposição a sua preferencia partidária? Vou responder o quê?

O pior cego é o que não quer ver, concordo…


E você vai a colação de grau. Porque o fato de ser um ancião não significa que seja desmemoriado ou incapacitado. E a menininha da secretaria traz a ata, para você assinar. Você confere e diz que a cidade de nascimento está errada, ao que ouve: copiei do RG. Por segurança, pego o RG e mostro: Olha, está escrito Lins. Você digitou São Paulo. Pacientemente.

Ela olha, com certa superioridade – porque ela é autoridade – e vai refazer o documento. Volta com o novo documento; cidade de nascimento: Lins e Estado: Lins. Sorri, disse que havia outro erro, que era motivado pelo trabalho intenso, etc e tal. Ela pega o documento, amassa e rasga, deixa em cima do balcão a rasura e vai corrigir o erro, de novo.

Volta, desliza sobre o balcão o novo documento e diz: veja se agora está como você quer!!! Aqui só cabe uma pergunta: Pode uma coisa dessas? A jumenta conhece algum estado brasileiro chamado Lins? Ter um documento certo e adequado é algo de muita exigência? Ou a capacitação profissional está precária mesmo?

Fico pensando naqueles casos em que usuário voa na garganta de atendente e é considerado agressivo e hostil. Mas já estou revendo minha posição de paciente. Neste caso que relatei, senti vontade de buscar um mapa do Brasil e pedir a capivara que me mostrasse o novo estado da união.

Mas estou contente. Tudo é só alegria. O sol brilha.


Daí, você está na avenida Luiz Latorre e nota que vem um carro costurando todo mundo. Ao se aproximar, percebe tratar-se de um senhor, um tanto moderno demais, pela maneira como conduz seu Fiat, numa avenida movimentada. Mas o melhor está por vir.

Ao se aproximar do semáforo, ultrapassa-o no sinal vermelho e quase atropela um motoqueiro, que sai ao seu alcance. Na esquina com a Nove de Julho, emparelho com eles e ouço parte da discussão: um dizendo que fora fechado e que o sinal estava fechado. Outro chamando o motoqueiro de babaca e moleque. O sinal muda, e o senhorio sai em alta velocidade. Ao tomar distância, buzina e gesticula com o dedo médio em riste.

E as críticas recaem apenas sobre os jovens que são mal estruturados? Questiono-me sobre a educação que nossos jovens receberam e pergunto-me de que geração eles são frutos; mas prefiro me acalmar, visto que não são meus filhos, nem convivo com eles, afinal eles são tão agradáveis.

Diria o mesmo sobre a adolescência que perpassa por mim, num misto de invisibilidade e insensatez. Num condomínio de bom nível residem jovens adolescentes entre 12 e 16 anos, que não enxergam os demais moradores, porque não conseguem enxergar nada mais do que a tela do seu celular. E estudam em boas escolas (o que será boa escola?????) e têm pais igualmente anestesiados, que entram num elevador sem ao menos balbuciar qualquer coisa que se possa entender como um bom dia ou boa tarde ou boa noite ou até logo ou vá se foder, filho da puta.

Diante de tamanha constatação cabe perguntar quem educa estes jovens? E quem os educa é educado? Sim, podem pagar um condomínio alto e têm carros caros do ano. E são felizes, como todo mundo é feliz. Lindo mundo este, da Poliana.


E a minha Vitória passou mal no meio da semana passada. Um problema intestinal, mas preocupou-me por três motivos: ela não fala, depende de mim e tem 16 anos. Levei-a ao veterinário, que nos atendeu no final da tarde e após fazer as perguntas de praxe, aferiu a temperatura e pesou-a, indicando-me uma série de exames de imagens.

Seriam tomografia abdominal, em duas posições, raio X, exame de amostra de fezes, urina e sangue e outra imagem que me fugiu o nome, agora. E um cartão do laboratório que faria os exames, uma vez que aquele que usamos, em rotinas, era desconsiderado por este profissional.

Liguei para o laboratório de imagens, que só atendia no horário comercial. Dia seguinte fui direto, sem agendar e quebrei a cara porque um dos exames de sangue teria uma dieta específica e uma das imagens somente com agendamento, o que me tomariam cinco dias.

Saio com metade dos exames realizados. Volto para casa, pensando. Porque pensar eu sei. E resolvi que estava errado e que eu teria que ser rápido, porque a cachorra poderia morrer entre estes cinco dias. Ligo para uma amiga que me sugere outro veterinário, já um senhor, menos especializado, mas atencioso e criterioso. Falo com outro colega, do prédio, que também tem cachorro e que também se preocupa com seus animais, que me sugere este mesmo veterinário.

Vou direto a ele. Espero, pacientemente. Chegou nossa vez, entramos, não falei sobre ser a segunda opinião, nem falei sobre a vasta lista de exames de imagens solicitada. O veterinário ajoelha, brinca com a Vitória, pergunta a idade e diz: você está muito bonita para seus 16 anos, hein garota? Sinal de que é muito bem tratada…

Pergunto se preciso colocá-la na mesa e ele me diz que não; que prefere assim porque o animal fica no seu contexto natural e reage com mais exatidão e naturalidade ao exame. Pensando na Psicologia Bioecológica, na qual fiz meu pós-doutorado, fui obrigado a concordar. Examina, examina, examina e vai para sua mesa, dizendo: vamos lá….me conta o que acontece.

Expliquei do problema gástrico ao que ele me pergunta: você esta dando a ração XXXXX? Eu respondi que sim; ele me diz: vamos mudar imediatamente para a ração KKKK porque a ração XXXXX além de ser bem mais cara, resseca o intestino e ela já tem um intestino preguiçoso, pela idade. E dê o laxante MMMM, duas vezes ao dia. Caso não resolva ou piore, este é meu celular, ligue-me qualquer hora que precisar. Se tudo correr bem, volte daqui três dias para o retorno.

Sai de lá com a nova ração, num saco pequeno e o laxante. Adotei a medicação e apliquei-a conforme prescrito e em 24 horas o problema estava sanado. Voltei ao retorno, ela foi novamente examinada e depois de muito exame ele me volta a perguntar: como ela passou? Expliquei tudo e ele me chama para o próximo retorno, daqui 10 dias.

Daí eu fiquei maluco. E contei: olha, o veterinário dela é fulano de tal, levei-a lá e ele pediu uns exames. O atual veterinário me diz: ‘”já sei; o colega pediu isso, isso, isso e mais isso e só aceita exames realizados no Laboratório YYYY, acertei?”. Minha loucura estava chegando ao limite com tal confirmação e entendi que nesta profissão também temos situações desta natureza.

Lógico está que se for preciso Vitória fará os exames necessários, mas ela precisa primeiro ser examinada e entendida para depois ser encaminhada. E mais: só uma bateria de exames não me aponta um resultado. E outra coisa: com os laudos dos exames de imagens fica fácil para qualquer “dogwalker” apresentar um diagnóstico. E procuro um médico veterinário e não um leitor de laudos.

Mas deixe-me continuar meu caminho sereno, feliz, alegre e suave.

Contei isso para um casal conhecido (era amigo, agora é conhecido e na semana que vem será meramente um casal, progressivamente, até chegar a não ser ninguém, para mim) que me perguntou: mas tudo isso por causa de uma cachorra velha? Eu não respondi. Eu não respondi porque queria continuar meu caminho sereno, feliz, alegre e suave.

Mas pensei. Porque pensar eu sei.

Pensei: filhos das putas; eles têm um filho que pouco aparece para vê-los. Quando estiverem bem mais velhos, o que a Vida lhes reserva? Por que eu teria que responder qualquer coisa a estes incultos? Por que teria que sofrer com as palavras deles? Não preciso disso, pois tenho meu caminho sereno, feliz, alegre e suave.

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Vou em frente, eu e minha Vitória Maria Escudeiro Machado, parceira de 16 anos, que sempre me esperou quando saio para trabalhar ou viajar ou estudar. Que nunca me traiu nem me molestou. Que só me enche de alegria e me faz ver o quanto sou feliz por facilitar e permitir que ela seja feliz e tenha qualidade de Vida. Sim, ela está idosa. Sim, também, ela tem 16 anos, mas até que chegue a hora de sua viagem, tenho obrigação de fazê-la feliz.

Ela não pediu para ser adotada. Eu adotei. Ela não pediu para vir para nossa casa. Eu a trouxe. Portanto, amor com amor será pago. Obrigado doutor, por você me mostrar que existem veterinários e Veterinários; também estou velho e me esqueci disto.

Ah, sim, e somos felizes, como todo mundo é feliz. Lindo mundo este, da Poliana.(Ilustração: www.fatosdesconhecidos.com.br)


AFONSO ANTÔNIO MACHADO

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia, editor-chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.