São duas crianças afrodescendentes, que se tornaram irmãs pelo coração do casal que as adotou. De certa forma, pode-se dizer que o início da vida escolar deles, em colégio pago de “princípios cristão”, exceto por alguns posicionamentos desse ou daquele, foi no “pelourinho”. Crianças que incomodaram a escola, além da cor, por desconhecerem o que continha na árvore genealógica. Intolerância é degrau de pelourinho. A certeza é de que são filhos da miséria que assola as periferias das cidades grandes e dos Estados nos quais a seca se agiganta. O tal colégio deve ter estremecido por possuírem pais com condições de pagar as mensalidades e os acréscimos. Passa-me a impressão de que o estabelecimento de ensino, excluo as ressalvas, se tornou, para eles, coluna de pedra de castigo, por não serem filhos biológicos de gente tradicional e de dinheiro, pois, caso contrário, não teriam ouvido, amiúde, frases pejorativas, sem represália aos autores. Quando um deles, para tentar conter o sangue do coração machucado, começou a reagir, foi a deixa: comportamento inadequado para permanecer no tradicional colégio, de vitória no conhecimento e de tragédia na formação do caráter. Os objetivos educacionais permanentes do mesmo, que dizem de incentivo e vivência de valores nobres consigo, com os outros e com Deus, atraem aplausos, mas somente no papel. Contrário ao que pede o Papa Francisco.
Os pais consideravam impossível que essa hostilidade estivesse intrínseca em “formadores” e que uma criança de dez anos e outra de nove ameaçassem o “bom nome” do “estabelecimento de ensino”. Foi por isso que não buscaram, antes, uma escola de verdade para eles. Concordo que entrar com ação, contra a empresa, exporia mais os dois. O tempo mostrará a real performance do colégio.
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Recordo-me do conto “Mineirinho” de Clarice Lispector. Mineirinho, um criminoso, que morreu com treze tiros, e que dói nela. Clarice comenta em um dos parágrafos: “Quero uma justiça que tivesse dado chance a uma coisa pura e cheia de desamparo… (…)… essa coisa é um grão de vida que se for pisado se transforma em algo ameaçador – em amor pisado; essa coisa, que em Mineirinho se tornou punhal…”
Infelizmente, existem instituições e indivíduos que transformam gente em punhal. Ainda bem que as crianças, neste ano, iniciam um novo tempo. (foto acima: cacheia.com)
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE
Com formação em Letras, professora, escreve crônicas, há 40 anos, em diversos meios de comunicação de Jundiaí e, também, em Portugal. Atua junto a populações em situação de vulnerabilidade social.