Parodiando a frase de Fernando Pessoa: “Navegar é preciso, viver não é preciso” colocamos aqui a importância do sono, pois sem ele, não há vida. Sim! Dormir é preciso. Em média, os seres humanos passam 26 anos de suas vidas dormindo. Para quem viveu 80 anos, significa 1/3 de sua existência.
Todos os animais dormem? “Não é possível afirmar, pois, nem todos os animais foram analisados até hoje”, informa o neurofisiologista César Timo Iaria, da Universidade de São Paulo (USP).“Já, os que foram objeto de estudos, dormem ou apresentam uma diminuição tão dramática no metabolismo que, apesar de despertos, parecem dormir” (é o caso dos cetáceos: baleias, golfinhos e os tubarões), diz o biólogo Otto Bismarck Gadig, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Esta situação é plenamente explicável pelo fato de que os hemisférios cerebrais desses animais se alternam em atividade. A célebre frase: manter um olho aberto e outro fechado na hora que dorme. Literalmente, nesse caso.
É importante que alguns animais não entrem em sono profundo por tornarem-se presas fáceis, como por exemplo: a girafa que dorme em pé, os cetáceos que necessitam ir à superfície para respirar ou no caso dos pássaros, para que não caiam das árvores.
Eu tive um papagaio, quando criança, que apareceu em minha casa numa tarde. Ele se chamava ‘Palhaço’ e, provavelmente, não recebeu essa cartilha de comportamento durante o sono, porque caia do poleiro quando dormia. Por isso o nome.
Atualmente, num esforço enorme, os biólogos tentam estabelecer o que é sono. Até hoje, o sono das diferentes espécies era comparado ao sono dos mamíferos, no entanto, evidências mostram a existência de um “tipo” de sono entre aves, cetáceos, répteis, crustáceos, insetos, anfíbios entre outros animais, diferente do padrão estabelecido.
O sono é considerado um estado de repouso físico e mental, em que ocorre um período de inconsciência parcial ou total. Até animais com sistema nervoso rudimentar apresentam estágios semelhantes ao sono, embora seus diminutos cérebros não reproduzam o tipo de padrões de atividade cerebral que os cientistas costumam definir como sono.
O tempo de sono também varia muito entre as espécies. Herbívoros dormem menos que carnívoros, por ficar muito tempo mastigando para extrair energia de seu alimento.
Algumas espécies dormem pouquíssimo, como as girafas (2 horas por dia). Já, os morcegos, dormem muito (praticamente o dia todo) ou, ainda, o grande campeão de sono: o tatu canastra, com impressionantes 18 horas por dia, embora não seja possível determinar se todo o tempo que permanece em suas toca está em sono profundo.
Acabei de descobrir que tenho potencial para me tornar um Tatu Canastra.
Pensaram que o bicho-preguiça fosse o campeão, não é mesmo? Ele tem um período de sono semelhante ao do leão, de 10 horas por dia. Não é tão preguiçoso assim, né?
Hibernar é o mesmo que dormir? Não. Na hibernação há um estado de intenso torpor, sem o padrão de atividade de sono, propriamente dito.
Afinal, por que precisamos dormir?
É comum fazer backup automático de dados de celulares e computadores, entre outros, para garantir que as informações antigas e novas estejam disponíveis quando necessário. Pois, então, o sono é o momento de nosso backup fisiológico, segundo um estudo realizado no ano 2000 pelos cientistas Terrence Sejnowki e Alain Destexhe.
Arquivos são armazenados ou deletados. Hormônios que estão em alta concentração durante o dia diminuem e aqueles que estavam em baixa concentração, aumentam. É uma dança perfeita.
O sono é marcado por períodos de movimentos rápidos dos olhos, conhecidos por REM (sigla em inglês para Rapid Eye Moviment), indicando atividade durante o sono e por períodos de sono não REM. É durante o período REM que ocorre o sono profundo e os sonhos.
Ambos formam um ciclo completo com duração de, aproximadamente, 90 minutos, que se repete de 4 a 6 vezes por noite. Por isso, os especialistas na área, indicam calcular a hora de dormir baseados em ciclos completos de sono, para evitar levantar “cansado”, como se tivesse corrido a noite inteira.
Exemplo: se você for para a cama às 22h, coloque seu despertador para despertar as 5h30 (7 horas e meia de sono) em vez de programá-lo para as 6h ou 6h30. Você, provavelmente, vai se sentir mais disposto às 5h30 do que se dormisse mais 30 ou 60 minutos, porque acordaria ao fim de um ciclo de sono, quando seu corpo e seu cérebro já estão próximos do chamado estado de vigília.
Tem até site para ajudar a fazer esse cálculo: sleepyti.me. O programa lhe dará opções de hora para dormir, a partir do horário que deve levantar e, também, lembrará ao usuário que o ser humano leva em média 14 minutos para cair no sono, portanto, deve se programar uns minutos antes do que foi recomendado.
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A duração e composição desses ciclos podem ser alteradas de acordo com os seguintes fatores: idade, ingestão de drogas ou doenças, ressalta o Instituto do Sono, de São Paulo.
A Fundação Nacional do Sono dos EUA recomenda de 7 a 9 horas de sono para adultos entre 18 e 64 anos, porém, afirma que, em alguns casos, 7 horas podem ser suficientes. Já, os mais velhos, acima dos 65, precisariam apenas de 7 a 8 horas ou de 5 a 6, em alguns casos, enquanto um recém-nascido precisa dormir de 14 a 17 horas por dia.
Vários hormônios participam do sono: a melatonina diminui os ritmos cardíacos e induz ao sono; o GH (hormônio de crescimento) ajuda a manter o tônus muscular, evita o acúmulo de gordura, melhora o desempenho físico, renova as células, faz as crianças crescerem e evita a osteoporose; a leptina, hormônio capaz de controlar a sensação de saciedade, também é secretada durante o sono e, por isso, não sentimos fome enquanto dormimos, bem como, o hormônio antidiurético, razão das poucas visitas ao banheiro ao longo da noite.
Além disso, os anticorpos e as imunoglobulinas são produzidos em proporção maior quando estamos dormindo do que quando estamos acordados. Então, se formos privados de sono, começamos a adoecer mais facilmente, ter gripes, infecções, etc…
Algumas pesquisas apontam que a privação total de sono é incompatível com a vida. Se fizéssemos uma experiência e mantivéssemos uma pessoa acordada por 15 dias, na teoria, ela morreria.
Eu já me sinto morta com poucas horas de sono.
O que acontece quando a rotina é dormir pouco?
Ocorrências: diminuição da memória e aprendizado, alterações de humor (meu marido pode falar um pouco sobre a época que eu amamentava meus filhos), alucinações, aumento de infecções, diminuição na capacidade de reações rápidas (temerário para quem dirige ou manipula máquinas perigosas).
Alguns pesquisadores associam a privação de sono com obesidade, diabetes, hipertensão e risco aumentado de Acidente Vascular Encefálico (AVE).
A falta de sono faz muito mais mal ao cérebro do que imaginávamos: é como se o órgão comesse a si mesmo. Lembram-se da autofagia do artigo anterior? É a comparação ideal.
Como é o processo: um estudo com camundongos mostrou que as células cerebrais que destroem e digerem células e detritos desgastados, trabalham em alta velocidade nos animais cronicamente privados de sono.
Em curto prazo, isso pode ser benéfico. Ao limpar os resíduos potencialmente nocivos e reconstruir circuitos desgastados, o sistema estaria preservando as conexões cerebrais saudáveis,mas em longo prazo, poderia explicar por que uma falta crônica de sono aumenta os riscos de Doença de Alzheimer e de outros distúrbios neurológicos”, explicou Michele Bellesi, em declaração publicada no Mother Nature Network.
Alguns especialistas afirmam que a vontade de dormir pode ser superior a de se alimentar. Quem nunca deixou de comer para dormir? Eu já! Apesar de que prefiro dormir alimentada, porém, quando o cansaço é enorme, a comida fica em segundo plano.
E dormir demais, é prejudicial?
Não, mas, indica qualquer alteração em seu organismo. Esse distúrbio é chamado de hipersonia e o indivíduo acometido desse transtorno médico, tem como característica dormir longos períodos durante a noite e apresentam extrema sonolência durante o dia. Cochilos não resolvem. A maioria das pessoas acometidas apresenta ansiedade, baixo consumo de energia e problemas de memória.
A apneia obstrutiva do sono é outro fator que pode levar à uma maior necessidade de dormir mais, porque ela atrapalha o ciclo normal de sono. A depressão também pode aumentar a vontade, das pessoas acometidas, a sono excessivo.
Outro fator importante a se considerar é o relógio biológico. Segundo a Cronobiologia (estudo temporal biológico), todos os seres vivos, animais e plantas, possuem um relógio interno que determina seus controles biológicos (chamados circadianos, que são ritmos com duração de 24 horas). Nos mamíferos, eles estão localizados nos núcleos supraquiasmáticos (NSK) do hipotálamo anterior.
Aparentemente, existe uma ação genética importante, o que explica, por exemplo, por que algumas pessoas – “as cotovias genéticas” – preferem acordar e dormir cedo e funcionam melhor nas primeiras horas do dia, enquanto outras – as “corujas genéticas” – funcionam melhor à noite e, por conseguinte, acabam deitando e levantando mais tarde, ou seja, a luz solar interfere na realização e encadeamento das funções fisiológicas.
Trabalho noturno ou em turnos, plantões médicos ou de funcionários de empresas que prestam serviço à noite e muitas horas de voo atravessando vários fusos horários, são responsáveis pela dessincronose ou jet-lag, um distúrbio que provoca sonolência fora de hora, cansaço, alteração do humor, queda do rendimento físico e mental. Esse fenômeno é causado pela alteração brusca do ritmo biológico, o que causa uma confusão enorme na secreção de hormônios.
O horário instável para dormir, frequente para quem tem turnos alternados de trabalho, traz consequências à saúde, conforme apontam diversos estudos sobre o tema. Além de sentir cansaço, irritação e dificuldade de concentração, esses trabalhadores tendem a desenvolver problemas gastrointestinais, cardíacos, redução da memória, diabetes, obesidade, osteoporose e depressão. No caso das mulheres, há o agravante de maior propensão a desenvolver disfunções ginecológicas.
Conclusão: sono é importante e tanto sua ausência quanto seu excesso são ruins, mas o importante é tentar equilibrar seu relógio biológico, para que você funcione bem no período mais favorável para realização de suas atividades. (foto acima: www.acreditanisso.com.br)
ELAINE FRANCESCONI
Bacharel em Zootecnia (UNESP Botucatu). Licenciatura em Biologia (Claretiano Campinas). Mestrado (USP Piracicaba) e doutorado (UNICAMP Campinas) em Fisiologia Humana. Professora Universitária e escritora.