ENIGMA do silêncio

ENIGMA

Estou preparando duas palestras que darei em novembro, em congressos importantes de minha área de atuação, mas fazer duas tarefas ao mesmo tempo é rotina e me deixa elétrico pelo risco que corro, com a atenção seletiva fracionada entre a tarefa acadêmica e minha crônica. E, então, me deparei com um detalhe: o enigma do silêncio. Meu apartamento está em absoluto silêncio. Gratificantemente ouço meu coração bater, uma ou outra moto na rua, um carro ou ônibus ao longe e, o resto, é silêncio. Como ele é absoluto e compacto!!!

Poucas foram as experiências que vivi, em que senti a força do silêncio. Lembro-me de uma noite, na UTI da Sobam, que não conseguia dormir e abstrai de tal maneira que neutralizei o barulho dos aparelhos de controle cardíaco para ouvir o silêncio. Assustei-me de início, mas me fortaleci ao perceber que meu coração batia forte e que ouvi-lo era uma sinfonia, naquele espaço onde reinava absoluto o enigmático silêncio. Via, pelo vidro da parede, que os enfermeiros e médicos falavam e riam animados, mas entre eles e eu havia uma massa mais densa de silêncio que dividia aquele mundo em dois: os de lá e os de cá. Que enigma.

Lembro-me de que, quando era criança, não gostava de ficar sozinho no silêncio e quando comecei a viajar sozinho, aos 15 anos, descobri que ele era um grande companheiro: com o silêncio eu arquitetava planos, conversava, dialogava, questionava, cantava, ria. Eu e o silêncio fizemos parceria desde cedo; e esta parceria se fortaleceu no decorrer da agonia do Geraldo, porque eu não podia dizer o que eu pensava e sentia. Firmou-se mais na partida da Helke, em meus braços e tornou-se meu aliado fiel nas idas e vindas de Rio Claro a Jundiaí, em momentos críticos da Carmen, que me prendia no celular por horas contando um mesmo fato, repetidamente. Aí, o silêncio me fazia companhia e me ajudava a traçar os planos futuros.

A medida que o tempo foi passando, com as coisas se estabilizando, mais ainda fui me aliando ao silêncio. A partida da Carmen me mostrou que, de verdade, “cabrito bom não berra”; suportei a dor calado, eu e Vitória, que me olhava, entendendo tudo, mas também silenciosa e parceira. Nossos passeios, de carro, por Jundiaí, em bairros distantes, ou a pé, pelas ruas de perto de casa, eram dignos de um filme do Bernardo Bertolucci: cheios de um silêncio significativo e pesado, mas feliz e didático em seus sentidos; recordo-me daquela manhã de quinta feira, quando a Vitorinha partiu, olhando-me silenciosamente, abanou o rabo e voou. Sem um suspiro, um gemido ou um barulho sequer….silêncio absoluto, sem me avisar. E eu voltei para casa tão calado, que aquele silêncio doía na alma. Só chorei quando entrei sozinho no carro e quando abri a porta do apartamento, tamanho peso que o silêncio trazia.

Daí em diante, voltei a conviver com ele. Sempre presente, em alguns momentos mais fortes, em outros momentos mais suave, mas é um companheiro fiel e que me ajuda a organizar a vida que me resta e as oportunidades que se me apresentam, das mais absurdas às mais razoáveis. E sigo meu caminho. Faço minhas escolhas com muita cautela e atenção, porque não tenho mais tempo para desperdiçar, porém me dou ao direito de errar na escolha e desistir da tentativa, uma vez que estou sempre pronto para novas experiências e novidades: gosto de poder recomeçar.

Entretanto, o silêncio não me faz solitário nem me sinto isolado do sistema; sou assumidamente ativista, estou sempre em campanha pró mês disto, mês daquilo e luto para levantar as bandeiras que me tocam. Eletivamente faço algumas opções e debruço-me sobre elas para poder exercer pressão em meu círculo de amigos, com sabedoria e ideias inovadoras e concretas. Algumas campanhas acho desnecessárias ou não me envolvem em função de minha descrença em suaspropostas; a campanha eleitoral é uma dessas que me irrita. Pouco profunda, oportunista e superficial, com um comprometimento sofrível e sazonal. Desagrada-me imensamente.

Sinto, sempre, que o silêncio entra como um braço de autocuidado que é um pilar importante da minha saúde mental. Ele aumenta minha capacidade cognitiva e emocional, aguça minha criatividade e me mantém antenado em tudo que me envolva. A espiritualidade é ampliada com o silêncio, possibilitando-me a conexão com o sagrado ainda que habitando a vida profana; é uma maneira de conectar-me com outros planos que, em agitação, não conseguiria ter a percepção e compreensão de sua representatividade. Focar em mim é focar na natureza criativa que tudo sabe e sente.

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Mantendo a mente silenciosa e quieta consigo aumentar a capacidade de pensar, de refletir, de analisar e criar, numa sistematização mais fluida e mais conexa. Tudo fica muito mais organizado, consigo manter meu ritmo de leitura e escrita, consigo manter meus estudos de línguas, simultaneamente, e explorar a arte da fotografia e pintura. Pausado e desordenadamente, como minha natureza prediz: um sagitariano autêntico e voraz; organizo-me em minha bagunça, numa sinfonia perfeita com todo meu contexto. Tenho percebido que o sagrado está muito mais próximo do que imaginei por um longo período da vida e isto tira o peso do castigo, do pecado e do inferno. Mesmo porque o inferno é aqui.

O silêncio exige constância para virar rotina; ele me traz ao momento presente e me possibilita transformar-me a cada instante sem me amedrontar ou me desgostar com o produto final atingido. E se não me agradou, retomo e refaço, em silêncio, sem a antiga reclamação. É terapêutico. Descobri que o silêncio é o caminho para a descoberta do que vim fazer aqui.(Foto: uxdesign.cc)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology. Aluno da FATI.

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