Adoro filmes sobre vampiros. E não estou falando apenas da Saga Crepúsculo. Atualmente eles são retratados com charme, elegância e muito, muito poderosos. Na vida real, de fato não existem, mas, uma mutação genética totalmente inofensiva para quem não a possui, ainda causa muitos danos ao portador, por alguém, em um passado longínquo, ter associado as características físicas de um albino com os hábitos de um vampiro, ou de seres mágicos. São um espinho cravado na história.

Apesar da tecnologia parecer ter transformado o mundo em uma aldeia global, infelizmente, são só aparências.

A intolerância, filha do preconceito, ainda é uma nódoa na história passada e recente da humanidade. Aliada às superstições gera os comportamentos mais bizarros e cruéis, como a situação dos albinos em aldeias da África, especialmente, nas seguintes localidades: Tanzânia, Malawi, Moçambique, República Democrática do Congo, Quênia, Nigéria e Burundi.

A superstição local diz que os albinos devem ser mortos e seus corpos divididos em partes para servir de amuleto, pois, sendo seres mágicos, cheios de poderes sobrenaturais, confeririam proteção e fortuna a quem os usasse como talismãs. As partes mais valorizadas são: dedos, língua, braços, pernas e genitais.

Aparentemente, os poderes sobrenaturais não protegem seu dono.

São caçados como animais valiosos, o que torna a situação mais cruel ainda, pois, esses países situam-se nos primeiros lugares da escala de miserabilidade, tornando esse comércio tão lucrativo e bizarro ao mesmo tempo.

Por coincidência macabra, nessas regiões a ocorrência de albinismo é cinco vezes maior que a média mundial. É muito comum, logo após o nascimento, os pais não assumirem as crianças albinas, deixando-as entregue às mães ou ao abandono precoce. Muitos pensam que se a mulher der à luz um filho albino, foi porque dormiu com um branco. Muita gente associa o albinismo com uma doença contagiosa. Outros juram que a AIDS se cura praticando sexo com uma albina.

A única coisa que eles têm que adquirir rapidamente, diferente de quem não possui o albinismo, é aprender a correr do sol. Fora isso, são pessoas absolutamente normais.

Falando sobre sol, Peter Ash, albino e canadense, há tempos vem lutando para que a vida dessas pessoas, especialmente na África, onde é grande o índice de superstição e de pessoas inocentes sendo brutalmente assassinadas, seja preservada. Ele possui uma ONG intitulada Debaixo do Mesmo Sol  que luta para garantir o direito de viver dos albinos em situações de risco.

Fato: é mais fácil encontrar um albino do que uma pessoa bem informada sobre essa anomalia.

O albinismo ocorre pela ausência parcial ou total de uma enzima, a tirosinase, envolvida na síntese da melanina. A capacidade de produzir melanina é determinada geneticamente. Quando há mutação, os olhos, a pele e os cabelos são afetados. Por isso, os albinos têm cabelos loiros ou brancos, pele e olhos claros. É uma condição hereditária que aparece com a combinação de genes, podendo manifestar-se nas seguintes formas:autossômica recessiva, autossômica dominante, ou ligado ao cromossomo X (quando afeta apenas indivíduos do sexo masculino).

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Essa condição, que pode provocar problemas na pele e deficiência visual, afeta todas as etnias (veja o blog http://paporeto2017.blogspot.com.br/2016/10/albinismo-curiosidades-e-belas-imagens.html com fotos de pessoas albinas de diversas partes do mundo), animais e plantas (nesse caso é a ausência de clorofila). A prevalência dos diferentes tipos de albinismo varia conforme a população.

Os principais tipos de albinismo são: Oculocutâneo (completo ou total) – em que todo o corpo é afetado; Ocular – somente os olhos sofrem da despigmentação;Parcial – o organismo produz melanina (ou corantes, se no vegetal) na maior parte do corpo, enquanto em outras partes isto não ocorre como, por exemplo, nas extremidades superiores (não confundir com vitiligo).

Os portadores sofrem de transtornos visuais, fotofobia, movimento involuntário dos olhos (nistagmus) ou estrabismo e, em casos mais severos, podem chegar à cegueira. A exposição ao sol não produz o bronzeamento, provoca queimaduras de graus variados.

No albinismo ocular, uma versão menos severa desta mutação, apenas os olhos são afetados. Nesta variedade do albinismo a cor da íris pode variar de azul a verde e, em alguns casos, castanho-claro, cuja detecção se dá mediante exame médico. Nestes casos a fóvea (responsável pela acuidade visual no olho) tende a desenvolver-se menos pela falta da melanina, que cumpre um papel central no desenvolvimento do olho nos fetos.

Os albinos sofrem consequências devido a falta de proteção contra a luz solar, particularmente, na pele e nos olhos. Isto posto, muitos preferem a noite para desenvolvimento de suas atividades, daí o nome “filhos da lua” e a triste associação, no passado, a vampiros. Muitos albinos humanos sofrem dificuldades de adaptação social e emocional.

Os albinos envelhecem precocemente e, quase sempre, morrem pela incidência de câncer de pele,  que lhes obriga cercar-se de alguns cuidados, dentre os quais, a exposição ao sol. Se receberem orientação desde tenra idade, sobre a importância dos cuidados especiais com a pele, o albino pode aumentar a perspectiva de vida.

O albinismo é um problema de saúde pública negligenciado no Brasil. Embora não seja uma doença, se não cuidar, pode reduzir drasticamente a expectativa de vida do portador. Não existe nenhuma estatística no país que aponte o número de albinos na nossa população. Sabemos quantas geladeiras ou televisores os lares brasileiros comportam, quantas pessoas assinam TV a cabo, mas, não sabemos quantos albinos existem, o que seria possível através do senso praticado anualmente. Ou seja, são invisíveis.

No Brasil, Marcus Maia, coordenador do Programa Nacional de Controle do Câncer da Pele, da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), estima que existam entre 10 e 12 mil albinos, embora não haja estatísticas oficiais (o IBGE claudica neste assunto). Ele é idealizador do Pró-Albino, um projeto-piloto de assistência e tratamento de albinos.

No Estado do Maranhão, na Ilha dos Lençóis Maranhenses, um pequeno e afastado lugarejo é conhecido pela alta densidade de habitantes albinos. Populações isoladas e altamente desassistidas tendem a manter relações consanguíneas, o que favorece o aparecimento de genes recessivos, caso de um dos tipos de albinismo.

É, também, o caso de índios guaranis e caigangues que habitam reservas no norte do Rio Grande do Sul. De acordo com a Funai (Fundação Nacional do Índio), a prática de perseguição aos albinos não foi observada na comunidade indígena brasileira. Atualmente, com verba da Funasa, a comunidade conta com suprimento de filtro solar e óculos anuais, consultas periódicas com oftalmologistas em Passo Fundo e exames pré-natais entre as gestantes.

É de extrema importância o conhecimento para evitar superstições e perseguições a pessoas inocentes, que tiveram o infortúnio de nascer com uma mutação que pode ser observada por qualquer um, pois, todos nós possuímos mutações, mas apenas nós sabemos. Ou, AINDA, não sabemos, porém, quando descobrirmos, ficará circunscrito a um universo restrito de pessoas.

O albino não tem essa opção.

Esse artigo me fez lembrar uma pessoa muito importante. Negra como a maioria dos albinos: Martin Luther King. Ele disse coisas fantásticas, mas uma frase em especial serve para tantos momentos, inclusive esse:

“Se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã, ainda assim plantaria a minha macieira. O que me assusta não é a violência de poucos, mas a omissão de muitos.Temos aprendido a voar como os pássaros, a nadar como os peixes, mas não aprendemos a sensível arte de viver como irmãos.” (Foto: tsandzana.com)


ELAINE FRANCESCONI

Bacharel em Zootecnia (UNESP Botucatu). Licenciatura em Biologia (Claretiano Campinas). Mestrado (USP Piracicaba) e doutorado (UNICAMP Campinas) em Fisiologia Humana. Professora Universitária e escritora.