ESTAÇÃO FRANCISCO MORATO: O país do desalento

estação francisco
2017 marcou a fúria e o descontentamento popular com as péssimas condições da CPTM: demora, superlotação, desconforto e a sempre insuficiente quantidade de trens disponíveis. Foto In: http://descurvo.blogspot.com/2012/03/estacao-terminal-francisco-morato.html

Estação Francisco Morato: o país do desalento dá continuidade ao percurso férreo que fazemos. Não houve quarentena, nem distanciamento e muito menos lockdown para os usuários e as usuárias dos transportes públicos. E a vida segue, no olho do furacão da desigualdade social.

HOMENS HORA [HH]: É a soma

das horas consumidas pelo total de

homens que executam determinado serviço.

Glossário dos Termos Ferroviários

A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa – disse. Frases sem paz ressoam entre ouvidos castigados, perturbam os ânimos, esfolam os sentidos e derrubam todo e qualquer ímpeto de esperança.

Os trens da CPTM são comboios de mortos-vivos que pagam bilhetes num preço absurdo pelo conforto mínimo. Aqui o povo negro e pardo vive explorado e não é figurante no cenário, é a regra da desigualdade: são empregados, repositores de estoque, açougueiros, sapateiros, mães solteiras, enfermeiras, balconistas, faxineiras terceirizadas, ex-presidiários, mecânicos, pedreiros, motoristas, cantineiros, ajudantes, babás, desempregados, chapeiros, jardineiros, pintores, universitários e universitárias, cozinheiras, porteiros, torneiros, manobristas, mc’s, policiais, vigilantes, marceneiros, secretárias, bicheiros, garçons, serralheiros, padeiros, soldados, vendedores & vendedoras, marreteiros, putas, funcionários públicos (sobretudo de baixos rendimentos), atendentes de telemarketing, manicures, caixas de supermercados, pedicures, cuidadoras de idosos, cabeleireiras, recepcionistas, temporários, encanadores, eletricistas, camelôs, estudantes, etc.

Assalariados e assalariadas que prestam serviços longe de suas casas, quase sempre alugadas, e que, na maioria das vezes, atendem à gente que jamais imaginou a correria diária na imundice dessas latas de sardinha. As mãos e os pés anônimos que vendem centenas de milhares de horas para oferecerem comodidades que desconhecem.

A CPTM informa: devido a problemas operacionais este trem não prosseguirá viagem. Por favor, desembarque nesta estação – disse.

Estação Francisco Morato. Desembarque pelo lado direito do trem – disse. Era para seguir até a estação da Luz, mas emperrou aqui.

A baldeação em Francisco Morato é degradante. O simples fato de milhares de pessoas passarem uma parte da sua jornada em condições assim não revolta os poderosos. Eles disseram que eliminariam a necessidade de baldeação, pura lorota politiqueira.

Quantos políticos pegam trens lotados? Quantos políticos saem no soco por conta de um lugar para sentar? Quantos políticos suportariam a subaqueira diária? Quantos políticos suportariam o cheiro de mijo, merda e vômito nos banheiros das estações? Quantos políticos tomam enquadro dos farda? Quantos políticos esperam pelo próximo trem a dar entrada na estação? Quantos políticos economizam o dinheiro para o dia seguinte? Quantos políticos bebem a água podre desses bebedouros? Quantos políticos transpiram rancor nas plataformas? Quantos políticos andam com os pobres, fora da temporada de caça aos votos? 

Toda vez que sigo nesta viagem sinto o desconforto em ser um universitário pobre. Há anos que ando de trem e nunca vi melhorias. As últimas reformas da estação Francisco Morato duraram mais de uma década: licitações, concessões, melhorias nas vias, modernizações das dependências, das máquinas, dos sistemas de segurança, dos trilhos, todos esses termos são palavrinhas bonitas para maquiarem o desvio de dinheiro público e a destruição generalizada de um transporte que nunca, jamais, teve vocação pública e digna.

E assim o mundo segue…

Em 2007 usuários e usuárias da CPTM se revoltaram; em 2013 – enquanto muita gente acreditava viver a belle époque dos esportes – também houve manifestações e destruição nas dependências da estação; mas em 2017 a fúria foi maior: vidros foram quebrados, choveram pedras sobre os trens, pichadores exerceram sua arte e a bilheteria e todas as catracas foram incendiadas sem dó. Foi lindo e eu presenciei. Foi lindo, apesar da milícia de São Paulo ter atirado balas de borracha contra a população. Foi lindo, apesar dos jornais e canais de tevês retratarem tudo de forma ultraconservadora, hipócrita, sempre com o mesmo discursinho furado de quebra-quebra. Foi lindo, mas a população acabou se ferrando ainda mais: muita gente caminhando sobre dormentes e trilhos, mas imagens assim não sensibilizam.

A estação Francisco Morato passou quatro dias com as catracas abertas, até quem nem queria fazer viagem de trem deve ter entrado, só pelo prazer – e por que não dizer direito – da gratuidade dos meios de transporte.

– A CPTM informa: Senhores usuários, boa tarde. Este trem tem como destino a estação LUZ. A CPTM deseja a todos uma boa viagem. – disse.

 O interior do trem que chega é azul bebê, para apascentar mansas ovelhas, é um grande vagão vazado, sem divisórias – pode-se, quando vazio, atravessá-lo em pouco mais de um minuto. Mas não importa ser novo, pois, assim como os antigos, está sempre lotado. Esse tipo de trem, um corpo oco de serpente metálica, é a alegria dos marreteiros.

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Meus olhos escapam e encontram o paredão: anos atrás, como forma de frear os problemas causados com a chuva que caía até o leito da ferrovia, eles cimentaram o barranco, toda a paisagem é cinza.

Embarco.

São quase nove horas da manhã de um dia angusto e, enquanto penso-rabisco isso, um senhor de uns cinquenta anos viaja sentado ao meu lado, tosse muito, a cada dois minutos. Ele puxa a carteira miúda, e acena para um marreteiro que passa carregado.

– Taí, meu patrão, três amendoins e três sorvetes, obrigado meu patrão, toma aí seu troco, gratidão, gratidão. – disse.

O senhor de uns cinquenta anos abre os três pacotes de amendoins num só fôlego, come tudo. Depois desembrulha os sorvetes quase derretidos de milho verde, sorve tudo.

Não quero crer, não quero crer, mas sei que esse foi o almoço que ele fará hoje. No trem nossos estômagos se vingam, ficam mais ansiosos. Os marretas recomeçam: amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado.

HILDON VITAL DE MELO

‘Jundialmente’ conhecido. Escritor e pesquisador à deriva, mas professor de filosofia, por motivos de sobrevivência.
E-mail: vitaldemelo@yahoo.com.br – Instagram: @camaleao_albino

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