FAKE NEWS

O quanto uma mentira pode ser danosa? Pergunte àqueles que sofreram por causa delas que terá uma ideia do quanto podem ser prejudiciais. Hoje em dia, as chamamos de fake news, a nova mentira velha de sempre.

O “Iago” do escritor Shakespeare, conta as suas mentiras com o objetivo de fazer um oficial rival ser demitido ou condenado à morte; o “Tartufo”, de Molière conta as suas para roubar um bem feitor ingênuo. Estão aí, duas mentiras ditas para alcançar objetivos diferentes.

Mas a humanidade sempre mentiu para atingir objetivos diversos, embora saibamos, há séculos, que mentir é errado e quem defendeu com mais sagacidade essa máxima, foi Santo Agostinho, ao dizer que “A mentira corrompe a alma do mentiroso”.

Na era digital, nesse “mundo líquido” segundo Zygmunt Bauman, do qual eu nunca havia ouvido falar até assistir a inúmeras palestras de Leandro Karnal, a mentira é fácil, devastadora e absolutamente errada. Como sempre foi.

Basta observar seu poder de destruição ao longo da história, recente ou atual:

– Em março de 1994 os proprietários, sócios e uma professora da Escola Base, em São Paulo, foram injustamente acusados de abuso sexual contra alguns alunos de quatro anos. O fato foi amplamente divulgado pelas mídias com o auxílio da polícia e de pais de alunos. Porém, o caso nunca foi comprovado, e a repercussão levou à depredação da escola, à falência dos donos e a ameaças de morte em telefonemas anônimos. Não preciso comentar que a vida dos envolvidos nunca mais foi a mesma.

– Pessoas famosas, são alvos preferenciais das mentiras, como o caso que envolveu o cantor Justin Bieber. No dia 2 de novembro de 2011, Mariah Yeater, de 20 anos, disse que o cantor canadense, na época com 17 anos, era pai de seu filho de três meses e enviou um pedido para Justiça, para exigir que o cantor reconhecesse a paternidade e ajudasse a sustentar o filho. O ex-namorado de Yeater admitiu ser o pai da criança e afirmou que tudo não passou de uma farsa para gerar dinheiro.

– Em 2012, a professora Maria Veronica Vieira, de Taubaté, interior de São Paulo, se dizia grávida de quadrigêmeos. Para enganar a família e até mesmo o marido, segundo afirmou o advogado dela, Maria Verônica usou uma barriga de silicone com enchimento de tecido. Depois ela se prontificou a devolver as doações que recebeu enquanto mentia.

E assim, inúmeras mentiras se propagam como vírus da gripe na web, mas uma das mais danosas, que perduram até hoje e que me moveu a escrever sobre o tema, é sobre a associação de vacinas e desenvolvimento de doenças, especialmente o autismo.

Vou contar em detalhes para que possam entender, e quem sabe, replicar a história verdadeira, incentivando aqueles que decidiram não se vacinar por esta razão, e não apenas por preguiça ou esquecimento (o que também ocorre com frequência alarmante no Brasil).

O médico Andrew Wakefield publicou um estudo, em 1998, relacionando autismo em crianças com a vacina MMR – a tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola.

A desconfiança começa quando ele apresenta o estudo com apenas 12 pacientes e praticamente nenhuma justificativa que corroborasse suas conclusões, pois o estudo carecia de fundamento científico e de resultados comprobatórios.

Mesmo assim, ele afirmava, categoricamente, que a vacina era a causa do autismo de seus pacientes.

Anos depois, descobriu-se que os dados foram forjados, como também que o estimado doutor havia sido financiado por um advogado que pretendia lucrar milhões processando os fabricantes de vacina. Além disso, ELE mesmo pretendia patentear uma nova vacina para substituir a MMR.

Observem a ideia: ele NÃO ERA CONTRA A VACINAÇÃO, ele apenas queria vender sua própria vacina exclusiva contra sarampo!

Resultado: O médico foi julgado na Inglaterra e considerado culpado de fraude e conspiração. A revista retirou o estudo e se retratou; Wakefield teve sua licença cassada e foi demitido do instituto onde trabalhava.

Mas isso não foi o suficiente. Pessoas desinformadas continuam replicando essa farsa, que nesse caso, prejudica de forma irreparável milhões de pessoas, sendo a maioria crianças.

Doenças antigas, quase erradicadas, estão reemergindo.

Casos isolados de poliomielite e coqueluche têm sido reportados. No Brasil, em 2014, registraram-se dois casos de coqueluche em uma família de classe alta em São Paulo, nos quais as crianças não haviam sido vacinadas por escolha dos pais, que temiam o desenvolvimento de autismo e tumores. A filha mais velha, de 6 anos, contraiu a doença e a transmitiu para sua irmã de apenas 6 meses que foi parar na UTI lutando por sua vida.

Pessoas estão morrendo em decorrência do sarampo, doença que há muitos anos não ouvimos falar.

Vale lembrar que, antigamente as pessoas morriam de diversas doenças, ou pior, ficavam com sequelas severas, devido à falta de conhecimento e controle das doenças.

Antes da vacina de Jonas Salk, para poliomielite, ser testada em 1952, aproximadamente 20 mil casos eram reportado por ano, só nos EUA. Hoje, depois das vacinas Salk e Sabin, a pólio foi praticamente erradicada nas Américas e Europa, sendo que os poucos casos restantes advêm de regiões sem acesso às mesmas, na Ásia e na África.

Crianças acometidas pela pólio, mesmo quando sobrevivem, ficam paralíticas, com retardo mental, ou, na melhor das hipóteses, utilizam respiradores artificiais.

Sarampo e coqueluche não são doenças sérias, no entanto, pode gerar sequelas e até matar. Além disso, sarampo é uma doença debilitante que causa bastante dor e sofrimento. No surto de 2004, na Inglaterra, houve morte. Coqueluche não costuma ser grave em adultos, mas costuma ser fatal em crianças pequenas e bebês.

“Cada pai e mãe tem o direito de escolher se seus filhos serão vacinados ou não. Que diferença isso faz para os demais? Quem quiser que vacine os seus!”

Essa fala me arrepia e vou explicar por que. Qualquer pessoa que tenha estudado, de forma decente, biologia na escola, conhece o conceito de “imunidade de rebanho”, ou seja, se todas as outras crianças estão vacinadas, a doença não circula, e uma ou outra que não receber a vacina estará protegida. Adivinha o que acontece quando a imunidade de rebanho diminui? Quando as pessoas deixam de vacinar os filhos? A doença volta a circular e ocorrem surtos, nos quais pessoas não vacinadas estarão suscetíveis.

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E isso é uma bola de neve crescente. Por que, quem não está imunizado, adoece, se adoece, necessita de cuidados médicos que o Brasil não tem, portanto estará à mercê de se salvar sozinho e conviver com imensas dificuldades, a partir das sequelas que ficará e o sistema de saúde, já precário, não terá condições mínimas de atender absolutamente ninguém.

Recentemente, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma reportagem muito preocupante mostrando o avanço do movimento antivacinação no Brasil. O mais surpreendente da reportagem é o fato de que famílias que escolhem não vacinar seus filhos reportam abertamente que usam, como fonte de informação, as redes sociais!

Então, estou aqui, falando sobre o movimento antivacinação, na tentativa de contê-lo. Antes que seja tarde demais. (Foto: www.abi.org.br)


ELAINE FRANCESCONI

Bacharel em Zootecnia (UNESP Botucatu). Licenciatura em Biologia (Claretiano Campinas). Mestrado (USP Piracicaba) e doutorado (UNICAMP Campinas) em Fisiologia Humana. Professora Universitária e escritora.