Muito se fala sobre a multiplicidade de fatores ambientais, inclusive a fragilidade, que incidem sobre qualquer resultado que cause dano a uma população, vilarejo, cidade, país.

No entanto, para que eles sejam de fato levantados, analisados e relacionados são necessários muitos anos de pesquisa realizada de forma séria, ou seja, contínua, investindo nos profissionais de múltiplas áreas afins. Um caso concreto que vamos trazer aqui é o da Ilha de Páscoa, em que historiadores, arqueólogos, paleontólogos (paleontologia é a ciência que estuda os animais e vegetais que viveram no passado, por meio de seus fósseis), climatologistas e mais alguns especialistas se debruçaram e resultou em descobertas estupendas.

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O arquipélago localiza-se no Oceano Pacífico, entre o continente americano e a Austrália e foi “descoberto” pelo explorador holandês Jacob Roggeveen, que avistou a ilha no domingo de Páscoa, em 5 de abril de 1722, por isso seu nome. Foi anexado em 1888 pelo governo chileno, permanecendo até os dias de hoje. Frisamos “descoberto” pois é uma palavra típica dos colonizadores, e traz a ideia que não haver nada ali antes da sua chegada, ou, no pior dos casos, que tudo ali deve ser descartado para que o “novo”, na visão particular daquele colonizador, seja imposto aos que ali já habitam. (ilustração abaixo: andarilhosdomundo.com.br)

FRAGILIDADE

Para quem não se lembra que ilha é essa, ela tem como principal atrativo as muitas estátuas esculpidas na pedra, com formato de pessoas, com até 4,5 a 20 metros de altura, pesando de 10 a 270 toneladas. Como? Não seriam quilos? Não, é isso mesmo, toneladas e nessa altura! Mas não é só: a ilha tem cerca de 170 km2, três vulcões adormecidos e basicamente pedras, sem vegetação. Então, como é que em uma paisagem tão desolada foi possível esculpir, transportar e erguer tais estátuas? (foto abaixo: oceania-turismo.com).

FRAGILIDADE

Bom, para explicar o que não se compreende, surgem várias teorias; às vezes pode se chegar a conclusões estreitas, como se o mundo girasse em torno de si ou de sua convicção, ou a soluções fantasiosas. Essas teorias chegaram a atribuir tais construções a colonizações, anteriores a de 1722, por sociedades que teriam sido influenciadas por outras mais desenvolvidas, européias (negando a habilidade aos próprios polinésios) e até a seres extraterrestres, que utilizaram para tanto instrumentos ultramodernos, seres estes que foram resgatados posteriormente, mas deixaram seu legado.

Aí entram em cena as razões de se buscar os porquês de forma metódica e organizada, coletando evidências, dados, os aplicando nas diversas áreas do conhecimento e suas especialidades para se desvendar, pouco a pouco, o que de fato aconteceu e o que podemos aprender com isso.

É fascinante! Pois como os estudos são realizados ao longo de muitos anos, as técnicas também evoluem, descortinando elementos até então obscurecidos, não por serem inexistentes, mas que não havia forma de vê-los e relacioná-los. Hoje, todas as evidências indicam que o colapso da Ilha de Páscoa foi devido aos impactos humanos em seu frágil ambiente.

Vamos trazer um exemplo: pesquisadores em suas especialidades (arqueólogos, zooarqueólogos, paleontólogos e ornitólogos) analisaram, com técnicas bem específicas, milhares de depósitos de lixo para detectar o que se comia, na época de apogeu e declínio da sociedade pascoenses. Recursos alimentares foram paulatinamente minguando, por vários fatores: as aves nativas, outrora existentes, desapareceram, pela caça excessiva, desmatamento ou predação por ratos; o litoral da ilha, escarpado, impedia a pesca por linha ou rede, restando a coleta de ouriços e moluscos, que também um dia, acabaram; devido ao desmatamento, barcos com toras adequadas de palmeiras deixaram de ser produzidos e assim, pescas em alto mar de golfinhos e atuns também declinaram.

Como vimos no mapa acima, a ilha é isolada, e nem a possibilidade de rumar para outros locais a população teve: abusando paulatinamente de seus recursos, aliado a outros fatores, foi definhando.

“As conseqüências posteriores (ao desmatamento) começam com a fome, declínio da população e degradação, até o canibalismo. (…) Em 1774, o Capitão Cook descreveu os insulares como “pequenos, magros tímidos e miseráveis” (Jared Diamod, Colapso, Ed. Record, 2005).

O aspecto desolador da ilha, sem árvores, pedregosa e com insulares famintos reforça seu grau de fragilidade ambiental perante fatores impactantes causados pela ação humana que, se talvez em outro local, não fossem tão severos (foto abaixo: coberturadasnoticias.com).

FRAGILIDADE

Os habitantes progressivamente foram se destruindo, não porque assim o quisessem, mas porque múltiplos fatores, que eles desconheciam, os levaram a isso. Assim, podemos dizer que o conhecimento do que se tem, aprendendo com os erros e os acertos, pode reduzir ou ampliar o impacto humano no ambiente.

E as estátuas? Afinal, há relação entre sua existência e os impactos ambientais que assolaram a ilha? Isso fica para uma próxima vez!


FRAGILIDADEELIANA CORRÊA AGUIRRE DE MATTOS

Engenheira agrônoma e advogada, com mestrado e doutorado na área de análise ambiental e dinâmica territorial (IG – UNICAMP). Atuou na coordenação de curso superior de Gestão Ambiental, consultoria e certificação em Sistemas de Gestão da qualidade, ambiental e em normas de produção orgânica agrícola.