Quando a maior fraqueza se chama IGNORÂNCIA

Hoje, a depressão é uma das doenças mentais mais comuns no mundo. Verifiquemos que a OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que 322 milhões de pessoas tenham sofrido desta perturbação em 2015, o que equivale a um aumento de 18,4% nesta última década. São apontados como principais sintomas da depressão eventos que incluam tristeza, choro fácil, isolamento e evitamento do contato social e das atividades habituais, alterações do nível de apetite e de peso, fadiga e falta de concentração. Por mais que se imaginem algumas fantasias, o quadro depressivo pode ser encontrado num seleto grupo de pessoas, que corre atrás de vitórias sucessivas e de muita adrenalina em todas as ações: os atletas. Em conversas, em todos os ambientes e meios, sobram informações que sugerem uma equilíbrio perfeito e um estado de saúde física inabalável, porém é preciso que observemos o clima de cobrança e de busca do perfeito em que vivem estes atores do sucesso. É preciso sempre lembrar que a maior fraqueza se chama ignorância…


Em que pese ser um tema frequentemente abordado e direcionado para a população em geral, atualmente começa a haver um crescente interesse nas questões relativas à saúde mental no esporte de alto rendimento, em especial pelo nível de exigência a que estão expostos estes profissionais, que trabalham entre o ideal e o possível e, nesta constante busca, recebem olhares e julgamentos de seus fãs, famílias, patrocinadores e dirigentes, sem contar com a autocobrança.

Sabemos que cada vez mais a excelência e precisão é requisito essencial na formação do atleta – o nível de perfeição e competitividade está em constante e forte crescimento, mantendo um elevado desgaste quer físico, quer mental, intermitente e cruel. Desta maneira, é razoável que os atletas de alto rendimento estejam se expondo a ponto de se colocar em risco de sofrer de depressão dado, não só a elevada pressão do meio esportivo e do contexto social, como também às expectativas individuaise da equipe, as mudanças de clube, a possibilidade de ser reserva e de sofrer lesões.

Estudos apontam que estes momentos críticos podem desafiar a autoestima, a autoimagem e o sentido de competência do atleta, contribuindo para o aparecimento dos sintomas acima referidos. Se não houver zelo na conduta dos treinamentos e nas competições, correremos riscos básicos e graves na saúde mental de atletas que buscam se manter no cenário esportivo, mesmo diante de algumas adversidades que podem ser enfrentadas e vencidas.

Não podemos descaracterizar que no mundo dos esportes muitos dos atletas passam anos a se preparar para uma única oportunidade, quer seja sua participação numa seleção estadual, nacional ou uma apresentação onde sua performance seja exigida para garantir o espetáculo para o qual tanto se preparou. O imaginário tem papel de grande importância, visto que toda a preparação demandou um esforço pessoal incomensurável e o vínculo familiar é preditivo de busca do melhor, sem chances de não se sobressair na prova.

Ressaltamos que a preparação intensa, o treino diário e a adaptação do cotidiano para atingir às necessidades que a modalidade esportiva exige passam a dominar a vida do atleta, não é incomum que um atleta possa ter dificuldade em reintegrar-se numa rotina que não a esportiva. Geralmente acontece uma grande dificuldade em continuar a vida fora do espaço esportivo, uma vez que é muito desgastante e difícil desfocar a prática de muito tempo e de muita exigência; este fato é um gatilho para a depressão, quando a pessoa não se prepara para a transição.

A cobrança de sucesso do atleta acontece porque estes são vistos pela sociedade como física e mentalmente aptos e diferenciados; os atletas representam o pilar da saúde e bem-estar e estas projeções e expectativas neles depositadas tornam mais difícil a procura de ajuda, já que demonstrar necessidades de apoio e amparo parece descaracterizar a saúde e o sucesso. Desta maneira, a tentativa de familiarizar e psicoeducar treinadores, atletas e todo o elenco de profissionais, família e agregados acerca desta problemática poderá ser um ponto de partida essencial para identificar atletas que estejam a se debater com sintomas depressivos.

Apontamos que é igualmente importante olhar para o atleta como pessoa antes de ser atleta, e trabalhar no sentido de eliminar os estigmas associados à doença mental, encorajando positivamente os atletas a assumirem os sintomas e procurarem o apoio necessário, possibilitando que vivam suas limitações, suas perdas e suas dificuldades, de uma forma consciente, enxergando aquele momento como um espaço de desenvolvimento e melhor etapa para o autoconhecimento.

O tema é tabu por aqui e em áreas específicas, como o esporte, ainda mais: Pouca gente sabe que o mundo do futebol, em especial o italiano, apresenta-nos altos índices de depressão e tentativas de suicídio entre jogadores e ex-atletas, justamente porque o assunto é tabu e, em áreas específicas, como o esporte, não de discute temas que indiquem fraqueza ou desequilíbrio. Informamos, ainda, que este direcionamento é comum no esporte, como um todo, não sendo privilégio do futebol.

A academia científica tem se preocupado com o assunto, a Saúde Mental tem progredido com segurança e velocidade, no sentido de conhecer mais e decifrar os motivos que levam atletas a um caminho destrutivo, apontando, então, caminhos que possibilitem o reestruturar e remodelar hábitos de vida. Temos que, em 2007, um estudo feito pela Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol, aFIFPro, em 11 países, chegou a um número alarmante: pouco mais de um terço dos entrevistados sofriam ou já haviam sofrido com sintomas de depressão, sendo que o índice era maior entre os jogadores que já haviam se aposentado.

Esta pesquisa não foi feita na Itália e não falou em suicídio, mas estima-se que mais da metade das pessoas que se suicidaram estavam deprimidas e que o risco de uma pessoa com perturbações do humor, principalmente depressão, tirar a própria vida é de 6 a 15%. Tal constatação merece atenção e cuidado por parte de todos os que convivem com jovens atletas e além da atenção é preciso ter planos de ação que fortaleçam a resistência psicológica de nossos praticantes, antes mesmo de surgir sintomas de desgaste mental e depressão.

O esporte é um mundo especial, diferenciado pela velocidade com que acontece e modifica o contexto onde está inserido. Seus atores, como todos os demais humanos do Mundo, sofrem das mesmas inquietações e incertezas, apesar de portarem um físico privilegiado; é uma montanha-russa de muitas curvas, alta velocidade e periculosidade e um atleta pode passar de ídolo a desconhecido, de craque a perna de pau ou de herói à traidor em segundos. Esta instabilidade, a pressão, as responsabilidades e a exposição são enormes, e muitas vezes a pessoa não tem preparo psicológico adequado para isso. O vislumbre que assistimos nas reportagens, a “fama” percebida e o status deslumbrante podem não encontrar eco naqueles que, muitas vezes, vieram de uma vida humilde.

Quase sempre é preciso abrir mão, desde cedo, de aspectos da vida pessoal para ser a principal fonte de renda de sua família. Acabam aspectos de privacidade, de familiaridade, de uma coesão grupal (além da esportiva), e as referencias familiares e da comunidade de origem, justamente pelo fato dos jovens serem retirados de seus nichos ecológicos para assumir a carreira profissional. Em função disto, quando a carreira acaba, o vazio é inevitável e nem precisamos dizer que dinheiro, fama e sucesso passam a diminuir e mudar o sentido da vida.

Neste momento convém informarmos que este declínio não é um quadro próximo da aposentadoria, mas uma constante em qualquer momento da carreira. E que é sempre flutuante, com velocidades diferentes e picos que se alteram, em atenção à situação financeira do clube, da cidade, do estado e do país. A etapa da competição também é preditiva destas alterações, o que faz com que tal quadro seja um foco de atenção aos especialistas da área, que buscam mapear e manejar estes transtornos mentais.

Apesar das divulgações de estudos, das discussões em redes televisivas e rádios e demais mídias, ainda são poucos os jogadores quase sentem encorajados para falar sobre o assunto, em especial os que ainda estão em atividade. É sabido que as taxas de suicídio dos jovens brasileiros subiu mais de 30% nos últimos 10 anos, e os números apontam um crescimento preocupante desses casos no mundo do esporte.

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O alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que o suicídio é um problema de saúde pública em países de alta renda e um problema emergente em países de baixa e média renda. É uma das principais causas de morte no mundo, especialmente entre os jovens. Mais de 900 mil pessoas morrem por suicídio no mundo a cada ano. Isso corresponde a uma morte a cada 40 segundos. O número supera, inclusive, homicídios e guerras. Portanto, diversos fatores podem impedir a detecção precoce e, consequentemente, a prevenção do suicídio.

O estigma e o tabu relacionados ao assunto são aspectos importantes, dentro do mundo esportivizado, então, isso é um segredo guardado a sete chaves. Durante séculos, por razões religiosas, morais e culturais, o suicídio foi considerado um grande “pecado”, talvez o pior deles. Por esta razão, ainda existe o medo e a vergonha de se falar abertamente sobre esse problema com os amigos ou até mesmo com a família, imprimindo um certo ar de fraqueza e de doença.

Anualmente, durante o mês de setembro, ações e palestras são realizadas em unidades de saúde e faculdades para conscientizar profissionais e a sociedade, em geral, sobre o tema. Profissionais da saúde mental são especializados a detectar ações preditivas do suicídio e vale lembrarmos que o suicídio atualmente é considerado uma epidemia silenciosa. É como se fosse invisível, ainda por questões de tabu. Qualquer ameaça ou tentativa de suicídio deve ser levada a sério, se for ignorada, uma vida pode ser perdida.

No contexto esportivo estas informações são relevantes, em especial porque seus atores são pessoas midiatizadas e exercem muita influência na formação de jovens em busca de autonomia e estabilidade profissional. Depressão precisa ser tratada por profissionais competentes, por muitos motivos e em especial por ser a porta que conduz ao corredor final que conduz ao suicídio. Isso é um dos motivos que leva os profissionais da Psicologia do Esporte a ter uma ampla visão deste contexto e de seus atores. (Foto: www.altoastral.com.br)


AFONSO ANTÔNIO MACHADO

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia, editor-chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.