A casa estava aromatizada por um cheiro leve e delicado de ervas doces, lá no fundo percebia-se que havia uma farinha a deglacear no forno. Senhoras broas de fubá! Era só um papo descontraído entre amigos! Assim que eu cheguei fui recebida com um sorriso que anunciava:
– Entre, estou cozinhando para você e eu estou tão feliz por estar cozinhando!
Então, começamos a trocar experiências na cozinha, falar sobre família, tradição e ela disse:
– Lembro-me de uma vez, ainda criança, que fiquei sentada em uma cadeira, um guardanapo nas pernas, minha avó de frente para mim e sob a mesa uma bacia com água e cheia de grãos-de-bico, ela me ensinava a tirar as casquinhas do grão. Era preciso muito cuidado, muita atenção, o grão que quebra não dava mais para usar na salada virava homus. Eu sentia os meus dedinhos doerem ao apertar o grão. Eu via nos seus olhos a calma e o amor em ensinar-me, uma a um. Era preciso ter paciência e amor pela cozinha. Eu tenho, eu sou assim, minha avó me ensinou.
As lágrimas são apenas uma parte da história. Uma avó ensinando a arte da vida. A arte de alimentar as pessoas. Não é fantástico?
Muitas crianças de hoje quase nunca comem grão-de-bico, quanto mais descascá-los, na verdade, existe pronto nas prateleiras do supermercado, com bastante antioxidante. Talvez não faça mal a saúde, não vão gastar tempo tirando casquinhas de grão, não vão machucar as pontinhas dos dedos, não vão perder o vosso precioso tempo aprendendo cozinhar com a avó.
As facilidades de hoje renderam muitas coisas boas. Acredito nisso. No entanto, as mesmas facilidades cortaram uma parte da nossa história, fizeram um resumo do que acharam que valia apena ser contado.
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Para muitos cozinhar é perder tempo. É gastar a vida à toa. Tudo está pronto em caixinhas e prateleiras. E para outros cozinhar é a história, a tradição é a vida. Eu adoro essas surpresas da vida: Saí pensando que seria um chá de amigos, que já seria valioso, e então, ganhei de presente essa inspiração. Obrigada, por confiar a mim uma história tão linda de comida de avó!
Oh! Estava esquecendo-me de falar das senhoras broas de fubá, cheirosas, crocantes, saborosas e provocantes, motivo de chantagens emocionais. Mas, eu termino por aqui. (foto acima: experienciavegana.com)
CIBELE VAZ DE LIMA
É nutricionista, especialista em qualidade e segurança dos alimentos. Atua na indústria alimentícia e como palestrante. Observadora e pesquisadora de comportamento humano na área da alimentação.