Como diz a música “(…) e continuar aquela conversa, que não terminamos ontem, ficou prá hoje…”. Sim, ficou para hoje respondermos uma última questão, colocada no artigo sobre a fragilidade ambiental da Ilha de Páscoa, causa da ruína de sua sociedade: afinal, aquelas gigantescas estátuas são obra dos pascoenses ou de extraterrestres, os ETs?

Esse é um mistério que envolveu a ilha por muito tempo. Isso porque na chegada de exploradores, por volta de 1770, a paisagem era desoladora: sem árvores, vegetação arbustiva ou ilhas, ao redor; apenas rochas, mar e habitantes famintos, isolados e miseráveis. E as intrigantes estátuas com formato humano e suas plataformas, pesadíssimas, variando de 10 a 300 toneladas, todas na orla, voltadas para o interior. Os mapas abaixo mostram localização da ilha e das principais estátuas.

A pergunta que não quer calar é: nas condições encontradas, haveria possibilidade de manipular, esculpir, transportar e erguer essas construções? Sem chance. Na falta de explicação terrena, foi-se ao espaço: Erick von Däniken, arqueólogo suíço, no seu livro “Eram os deuses astronautas” (1968) incluiu Páscoa entre os locais visitados por extraterrestres, atribuindo a eles a autoria das peças encontradas. O livro fez furor da década de 1970 e, até mesmo hoje, há quem diga que ele não estava totalmente equivocado.

Mas estava. Vejamos. A questão se concentra no tamanho, no peso e no entalhamento: são cerca de 300 plataformas de pedra (ou ahus), e sobre eles por volta de 113 estátuas (moais), que variam de 10 metros de altura com 75 toneladas a 21 metros de altura, e 270 toneladas. O entalhamento tem relação direta com o tipo de material existente na ilha, no caso o turfo vulcânico, afeito ao entalhe, bem como com o grau de desenvolvimento da sociedade local, que as moldava em reverência aos chefes dos clãs existentes.

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Restam o tamanho e o peso. A operação com os moais e ahus exigiam não apenas pessoas fortes e saudáveis mas especialmente cordas grossas para arrastá-los e muitas árvores fortes para obter a madeira necessária para trenós, trilhos e alavancas. Mas onde estavam as árvores e palmeiras para fornecer as fibras e as toras? Testes feitos com guindastes capazes de erguer 55 toneladas foram desafiadores para estátuas de 88 toneladas lá encontradas. Então, sem guindastes, máquinas, animais de tração…como foram erguidas e dispostas?

Aí entram em cena os estudos multidisciplinares que vêm paulatinamente esclarecendo esses e muitos outros detalhes do passado, realizados sobre evidências e utilizando várias áreas do conhecimento, pesquisadores e técnicas. No início do século XX (período que compreende os anos entre 1901 a 2000), botânicos identificaram na ilha espécies de plantas nativas, mas que mal davam conta de serem chamadas de árvores. Então, o mistério permaneceu. Mas não por muito tempo.

Isso porque na evolução da identificação de espécies vegetais tem-se a palinologia, que é a análise do pólen das plantas: utilizando essa técnica na Ilha de Páscoa, aí sim as coisas realmente começaram a fazer sentido, na década de 1980. Em síntese, como se fez a análise do pólen? Retiraram-se colunas de sedimentos dos pântanos das crateras de dois dos vulcões existentes e fez-se a verificação da era geológica desse material. Seguem, ao lado, imagens de polens de plantas, no microscópio.

Após iniciou-se a análise, por microscopia, das dezenas de milhares de grãos de pólen encontrados em cada camada: foram contados e identificados, comparando-os com os polens modernos de plantas de espécies conhecidas. Essa fase pode demorar anos, pois vários profissionais juntarão seus esforços, dedicando muitas vezes sua vida toda na pesquisa.

A imagem desoladora encontrada pelos colonizadores não foi sempre assim: provou-se que sim, havia grandes palmeiras em Páscoa, maiores que a hoje conhecida Palma do Vinho chilena, com 20 metros de altura e 1 metro de diâmetro, pois alcançavam até 2 metros de diâmetro. E árvores frondosas, de 15 e até 30 metros de altura. Toda essa vegetação era usada para confecção de fibras para cordas e tecidos, arpões para pesca, canoas, entalhes, combustível, alimentação, construções. E para laçar, amarrar e arrastar as estátuas nos locais pré-determinados.

No entanto o desmatamento foi maciço, iniciado por volta nos anos 900, atingindo seu auge em 1400 e completado até 1600. O caso da Ilha de Páscoa é o exemplo mais extremo de destruição de florestas do Oceano Pacífico, e está em um dos mais extremos do mundo: toda floresta desapareceu, todas as suas espécies de árvores e palmeiras se extinguiram.

Também é exemplo para situações nas quais questões ambientais estão envolvidas e seus impactos se avizinham: muitas vezes opta-se por apontar causas externas ao problema, até mesmo envolvendo seres extraterrestres. Ou, pior: não se quer saber e tenta-se ignorar, procrastinar ou se isentar de qualquer responsabilidade sobre danos irreversíveis que possam ser causados os quais, via de regra,demos causa. Talvez sirva de consolação, ou não: mas a natureza seguirá seu rumo, independente do ser humano.

Resta o símbolo da figura humana, solitária, de pedra, olhando para a imensidão árida, no crepúsculo do dia. O que será que pensou quem derrubou a última árvore em Páscoa?


Eliana Corrêa Aguirre de Mattos

ELIANA CORRÊA AGUIRRE DE MATTOS

Engenheira agrônoma e advogada, com mestrado e doutorado na área de análise ambiental e dinâmica territorial (IG – UNICAMP). Atuou na coordenação de curso superior de Gestão Ambiental, consultoria e certificação em Sistemas de Gestão da qualidade, ambiental e em normas de produção orgânica agrícola.