Litígio roncador

Quando eu era criança, achava um absurdo as pessoas roncarem. “Será que não se tocam? As paredes parecem ruir aos poucos e o telhado, se observar bem, deve ter levantado alguns centímetros. Por que não param com isso?”. Eu cresci e, agora, quem derruba paredes e levanta telhados sou eu. Mas ser um roncador é considerado normal, correto?

Sim. Desde que o som não atrapalhe as pessoas que dormem em outro cômodo ou, até mesmo, em outra casa, salienta o dr. Dráuzio Varella.

O ronco pode ser classificado como normal ou patológico. Normal, quando a posição de dormir, obstrução nasal ou estômago cheio (associado ou não a bebidas alcoólicas) provoca o indesejável ruído, pois, o ar expirado passa pela faringe, gerando um turbilhonamento atrás da língua, o que causa o barulho típico.

Pessoas que apresentam apneia obstrutiva do sono (SAOS) podem ter o ronco como principal sintoma.

Meu filho Daniel, hoje com 13 anos, tinha amigdalas gigantes, fator que provocava ronco como se fosse adulto, aos 2 anos de idade. Depois de muitas idas e vindas a vários médicos, descobrimos, inclusive, que ele tinha SAOS, então, a decisão de operar foi asolução ideal.

A SAOS é caracterizada por ronco alto e persistente, na grande maioria das noites e, sonolência excessiva, durante o dia. Além de promover um sono de má qualidade, ela também impacta o coração, face à queda da oxigenação no sangue, o que aumenta a frequência cardíaca e a pressão arterial. As oscilações súbitas da oxigenação no sangue,por diversas vezes ao longo da noite, são os principais gatilhos para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, tais como: hipertensão, infarto do miocárdio, AVC e arritmia.

O pescoço mais grosso dos homens e a falta da proteção hormonal sobre o tônus muscular (mulheres antes da menopausa tem essa musculatura mais firme, após, essa vantagem quase desaparece), acentuam essa flacidez. Por isso, enquanto moços, os homens roncam mais. Aparentemente,até os 40 anos, ronco e apneia são queixas típicas dos homens. Depois dessa idade, o problema atinge os dois sexos quase na mesma proporção.

Algumas situações que favorecem o aparecimento do ronco: flacidez nos músculos da boca e da garganta; amídalas e adenoides hipertrofiadas; desvio do septo; pólipos no nariz; palato em forma de ogiva; rinite, sinusite e obstruções nasais; palato mole e úvula aumentados; queixo retraído e envelhecimento.

De outra banda, temos, como fatores de risco ou agravantes: obesidade, pescoço mais grosso e/ou mais curto; ingestão de bebidas alcoólicas; uso de remédios para dormir e/ou de calmantes; dormir em decúbito dorsal; excessos alimentares antes de dormir; refluxo gastroesofágico e tabagismo.

O ronco é a segunda maior queixa de quem tem distúrbios do sono. A primeira é a insônia.

Alguns estudos iniciados na Itália, há mais de 30 anos, asseveram que o roncador, mesmo sem ser obeso e nem sofrer de apneia, tende a tornar-se hipertenso e a morrer precocemente.

Como o roncador faz muita força para respirar à noite, o demasiado esforço provoca sono superficial e fragmentado. Depauperadas, no dia seguinte, as pessoas estão sonolentas, irritadas, pouco produtivas, com a memória comprometida e a área cognitiva afetada.

Ressonar, portanto, considerando este fenômeno natural, coletivo e momentâneo, não há motivos para preocupações. N’outro cenário, havendo queixa de ronco demasiado e persistente, é indispensável pesquisar as causas para afastar os riscos em que estão expostos esses pacientes.

Seria o ronco, uma doença moderna? Provavelmente.

Os índios, por exemplo, em seu habitat, com pouco ou nenhum contato com os brancos, mamam mais tempo nas mães e, com esta prática, desenvolvem mais a mandíbula, têm adenoides e amídalas menores, não são obesos, roncam menos, apresentam menos problemas alérgicos e não se queixam de distúrbios do sono.

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Mas nem tudo está perdido, afinal, não podemos mudar nossa vida toda para a floresta Amazônica, certo? E, graças a Deus, é certo que existem ex-roncadores! Basta procurar um especialista para avaliar caso a caso.

Então roncadores, valorizem seus parceiros, caso eles ainda não tenham desistido de dormir ao seu lado. Compreendam que eles são heróis da resistência e verdadeiros amantes ou, sigam Charlie Chaplin:

“A vida é uma tragédia quando vista de perto, mas uma comédia quando vista de longe”. Ele estava falando de dormir ao lado de alguém que ronca. Não estava? (Foto: www.homehospbh.com.br)


ELAINE FRANCESCONI

Bacharel em Zootecnia (UNESP Botucatu). Licenciatura em Biologia (Claretiano Campinas). Mestrado (USP Piracicaba) e doutorado (UNICAMP Campinas) em Fisiologia Humana. Professora Universitária e escritora.