A lucidez é matéria-prima de que somos carentes, assim como a ética. Prevalece o “cada um por si”, como se nada no mundo fosse problema comum, a reclamar reação de todos.

O caso brasileiro é mais grave. Aqui, um conjunto de circunstâncias produziu um quadro dantesco. Os excluídos são de múltipla ordem: há os que não participam do banquete por miserabilidade. Mas há os que se banqueteiam e são indigentes morais. A combinação não é boa.

A fantasia criou expectativas impossíveis de atendimento. A “Constituição Cidadã”, pródiga em direitos, converteu sonhos em direitos fundamentais. Um exemplo: a saúde! Como é que se pode erigir em direito alguma coisa que não depende do homem, porém de uma série de contingências: DNA, genética, hábitos alimentares, sedentarismo, fumo, álcool, drogadição, mosquitos da dengue e um número infinito de concausas?

Mas a partir da proclamação dos direitos, todos se sentem legitimados a exigir do Estado a prestação. Concebe-se o Estado como se fora um ser extraterrestre, onipotente e onisciente, com a Casa da Moeda à sua disposição. Faltou dinheiro? Imprima-se mais.

A judicialização da vida brasileira é um sintoma desse surrealismo. Tudo chega ao Judiciário e para fornecer mão-de-obra, não faltam os milhares de cursos de Direito, que replicam a formação coimbrã, baseada no processo judicial. Sempre haverá quem peticione, nunca faltará quem despache. Não interessa verificar se há possibilidade de satisfação da ordem. Ordem judicial não é para ser discutida. É para ser cumprida.

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O microscópico espaço da lucidez precisa também cuidar desse ambiente. Quem teve a sorte, o privilégio ou conseguiu por seu esforço e sacrifício uma posição diferenciada, não pode se descuidar da realidade e de auxiliar o futuro a ser menos sombrio.

A insatisfação diante da impossibilidade estatal de satisfazer a todos os desejos se transforma com facilidade em ira. Manifestações que poderiam ser estratégia saudável de implementação da Democracia Participativa terminam em depredações, invasões, barbáries e incivilidade que denota retrocesso e primitivismo.

Educar para o convívio de respeito é obrigação de todos. A responsabilidade social do empresariado não é mais uma questão de filantropia ou caridade. É uma questão de sobrevivência.

Se não nos preocuparmos com a disseminação de uma cultura de responsabilidades, que saiba avaliar as reais condições de um Estado que é instrumento a serviço do povo, de garantir o mínimo a esse povo que elege seus representantes, o que se avizinha não é bonito. A propagação da desordem, a contaminação de múltiplos setores pelo vírus da revolta, a destruição de patrimônio público e privado, não só físico, mas o intangível valor da civilidade e o surgimento de um “salvador da Pátria” que substitua o clima de liberdade por um autoritarismo que responda à ausência de ordem.

Não é isso o que se sonha para um Brasil que persegue a Democracia, mas que só poderá contar com ela quando a população assumir sua cidadania: conjunto de direitos e deveres indissolúveis, construção permanente e vinculada à consciência patriótica de quem não perdeu o juízo. (foto acima: comboinfinito.com.br)

Fotos do secretário da Educação, professor José Renato Nalini, para redes sociais. Data: 15/03/2016. LOCAL: São Paulo/SP FOTO: Diogo Moreira/A2IMG

JOSÉ RENATO NALINI
É secretário estadual de Educação e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.