MENSTRUAÇÃO: sangria inútil

Este tema me inspirou quando li a matéria na revista Saúde de fevereiro de 2018 e tomei conhecimento do livro do ginecologista baiano Elsimar Coutinho: Menstruação, a Sangria Inútil, publicado em 2000. Há argumentos em sentidos opostos.

No caso do autor, ele baseia seu argumento no seguinte fato: historicamente, as mulheres menstruavam muito menos do que hoje, afinal, engravidavam mais. Outrora, as mulheres menstruavam em torno de 100 vezes ao longo da vida, hoje a estatística revela que o número chega a 350.

Sangrar tanto, na visão do médico baiano, nada teria de natural, então.

Mas é. Se não fosse, a evolução darwiniana já teria dado um jeito nisso, como o fez com nossos pelos, rabo e dentes. Então você poderia retrucar dizendo que temos resquícios evolutivos que nada servem, como os dentes do siso ou o apêndice, pois, ao nos livrarmos deles continuamos levando nossa vida, normalmente.

Esse argumento não serve, porque ao suprimir a menstruação, temos sim, problemas.

A menstruação sugere boa saúde, enquanto é utilizada para avaliar esse parâmetro, quando a mulher não menstrua na idade esperada, tem ciclos irregulares ou interrompidos. Nesses casos, há a necessidade de investigação e, na maioria dos casos, é um desajuste hormonal.

Até a cor do sangue diz algo sobre seu corpo, se estiver alaranjada pode ser infecção, se estiver rosa, pode ser normal, mas, também, pode indicar gravidez e assim por diante.

Já, a hipótese de que a perda de sangue, por si só, é necessária ao equilíbrio fisiológico da mulher, carece de confirmação científica, pondera o obstetra Fernando Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Eu costumava explicar aos meus alunos os efeitos do uso de hormônios sintéticos no organismo humano. O exemplo que eu preconizava, às vezes chocante, mas, de fácil compreensão, é o uso de anabolizantes esteroides, principalmente, para os homens (para as mulheres eu classificava como aberração, no caso de atletas ou daqueles que apenas querem um corpo de fisiculturista).

O nosso sistema hormonal funciona como eixos de ativação e desativação.

Um hormônio produzido pelo hipotálamo estimula a hipófise a produzir outro que estimulará uma glândula específica a produzir um terceiro hormônio. Esse último, na corrente sanguínea, atingirá novamente o hipotálamo, avisando que já tem o suficiente para o efeito fisiológico necessário, então o hipotálamo reduz ou cessa a produção do primeiro hormônio.

Veja a imagem simplificada abaixo:

 

Quando adicionamos hormônios sintéticos nesse eixo, ou seja, hormônios esteroides anabolizantes, imitam a ação da testosterona natural, portanto, suprimirá a produção pelos testículos.

A glândula, quando não necessária, atrofia, deixa de produzir. Então eu dizia para as meninas, muito cuidado ao escolher os garotos pelos bíceps, pois, às vezes, na hora H, ele conseguirá carregá-la para a cama, contudo, ter um rala e rola gostoso será outra história.

O mesmo acontece com o útero quando utilizamos pílula anticoncepcional por muito tempo, ou sem intervalos, pois, seu uso ininterrupto, para quem está em idade fértil, pode prejudicar a fertilidade, já que há o risco do endométrio atrofiar. Fato observado pelas usuárias: o endométrio (parte interna do útero, onde se fixa o embrião numa gravidez) fica tão fino, que a menstruação reduz dramaticamente de volume, chegando a quase inexistir.

A endocrinologista do Hospital das Clínicas de São Paulo, Elaine Frade Costa, afirma que o sangue presente, chega a não ser um sangue de verdade e que o fluxo pode parar de vez, para as mulheres que utilizam pílula anticoncepcional por tempo indeterminado.

Esse fenômeno chama-se de deficiência ovariana prematura. Como o eixo hormonal fica bloqueado por muito tempo, pode ser que ele não volte mais a funcionar como antes, aí vem a real necessidade de reposição hormonal.

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O bloqueio da menstruação é válido para mulheres que sofrem demasiadamente com dor, excesso de fluxo, distúrbios psicológicos importantes associados ao ciclo menstrual. Para elas sim, desde que seja feito com cuidado e orientado por um profissional experiente, nunca por sua própria conta. Utilizar hormônios sintéticos é perigoso para a saúde, portanto, um médico especializado saberá como agir diante de seu problema.

E não! “Pílula do dia seguinte” não é método anticoncepcional!

O uso contínuo pode alterar o ciclo menstrual, causar inchaço das mamas, sangramentos e, com o tempo, sua eficácia diminui. A carga hormonal é muito superior ao de um comprimido de contraceptivo (varia de 6 a 20 vezes mais), portanto, faz uma bagunça danada em um sistema que já é complicado.

No final de tanta discussão sobre menstruar ou não, eu acabo concordando com a Dona Hermínia: “Menstruação deveria ser só dois dias no mês: um para mostrar que eu não estou grávida e outro para justificar meus dramas.”(Foto acima: www.mujeresvaliosas.com)


ELAINE FRANCESCONI

Bacharel em Zootecnia (UNESP Botucatu). Licenciatura em Biologia (Claretiano Campinas). Mestrado (USP Piracicaba) e doutorado (UNICAMP Campinas) em Fisiologia Humana. Professora Universitária e escritora.