Dia 28 de julho, próxima sexta, é o Dia do Agricultor, data escolhida em 1960 devido à criação do Ministério da Agricultura, no governo do presidente Juscelino Kubitschek. Há também outra data, voltada ao Agricultor Familiar, anterior a essa, no dia 25 de julho. Mas deixemos de lado as diferenças entre um e outro, pois hoje falaremos um pouco mais do agricultor, no sentido mais geral possível, e sua ligação com a fala e as modas caipiras.
A música caipira tem um papel fundamental para conhecermos o universo do agricultor, que nos remete muitas vezes ao mundo vivido pelos nossos avós ou bisavós que vieram da roça, sendo hoje considerados verdadeiros registros históricos. Como assim? Ivan Vilela, grande violeiro, pesquisador e professor, no seu “Cantando a própria história” (Edusp, 2015), nos diz que o caipira, especialmente da região centro-sudeste, talvez seja o único camponês do Brasil que tem sua história conhecida por muitos, através das canções que compunha, nos ritmos da viola. (Ilustração abaixo: quadro ‘O Caipira Picando Fumo, de Almeida Junior).
O que sabemos dos caboclos do Pará, no século XX, ou dos sertanejos do Cariri, da mesma época? A história oficial é a dos vencedores, e as populações camponesas do país pouco ou nada receberam das benesses vindas do progresso e do capitalismo. Por isso essa resistência caipira, musical e pacífica, mas nada boba, permanece entranhada em nossa memória.
Mas esse linguajar caipira é tão…caipira! De onde vem isso? É simplesmente falar “errado”?
Olha só que interessante: os jesuítas desenvolveram aqui a língua geral, um misto do tupi e da língua portuguesa, o nhengaatu, que era a forma encontrada para que todos se comunicassem no cotidiano, e foi falada até final do século 18 (período que compreende os anos 1701 a 1880), ainda que tenha sido proibida pela Coroa Portuguesa, em 1727.
Os jesuítas notaram que os índios tupis, da costa do continente, tinham dificuldade de pronunciar o “l” e o “r”, passando a suprimi-los das palavras. Por esse motivo quintal, falar, dizer viravam quintá, falá, dizê. Outro exemplo era as consoantes dobradas, ou seja, como era difícil pronunciar “orelha”, logo virou “orêia”; colher, cuié.
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MAS O QUE É ESSA TAL DE CERTIFICAÇÃO AMBIENTAL?
O tal do “falar errado” não é, não: é apenas um dialeto, ou seja, o falar caipira nada mais é que um remanescente dessa fala tão brasileira, vamos assim dizer, que é o nhengaatu, já misturado com a fala portuguesa. E pela proibição imposta por Portugal, se refugiou no interior do Brasil, onde levou a pecha de “atrasado”, ou de falta de “cultura” pelas camadas mais abastadas dos núcleos centrais de poder. Mas de qual cultura estaríamos falando?
No cantar do cotidiano da lida diária, das pescarias, dos amores, das tristezas, composições belíssimas se criaram. E por serem assim, tão singelas quanto verdadeiras, as modas caipiras acendem a memória da história de vida de cada um, pois nos falam de sentimentos comuns que compreendemos, o fazendo ora com poesia, ora com drama, ou até com malícia e graça!
Pinçando canções voltadas ao agricultor, que tal lembrar uma de Vieira e Vierinha, “Vargem”?
“Já fui plantadô de roça
mas não sei contá vantage
o mio a formiga corta
o feijão choca na bage.”
Também a bela “Viola quebrada” (ou “Maroca”), de Mário de Andrade? Ele mesmo, poeta, escritor de destaque na Semana da Arte Moderna de 1922. Suas estrofes terminam assim:
“Por causa dela
Eu sou rapais
Muito capais de trabaiá
Os dias inteiro
E as noite inteira capiná
Eu sei carpir pruquê
Minha arma tá arada e loteada,
Capinada
Co as foiçada
Dessa luz do seu oiá.”
Histórias, ou “causos”, não faltam: Tonico e Tinoco contavam que, antes da chegada do disco com as gravações das canções caipiras, luminosa ideia e execução de Cornélio Pires, em 1929 (verdadeira “epopeia” que cabe em outro texto), as modas eram tão compridas que eles paravam no meio da execução, para tomar café e comer bolo. Já pensou nos dias de hoje? (Ilustração acima: quadro ‘O Violeiro’, de Almeida Jr)
ELIANA CORRÊA AGUIRRE DE MATTOS
Engenheira agrônoma e advogada, com mestrado e doutorado na área de análise ambiental e dinâmica territorial (IG – UNICAMP). Atuou na coordenação de curso superior de Gestão Ambiental, consultoria e certificação em Sistemas de Gestão da qualidade, ambiental e em normas de produção orgânica agrícola