O simbólico mundo dos LIVROS. Para que servem?

Numa sequencia lógica, pensando nas crônicas que venham escrevendo, passou-me pela cabeça algo que tenho medo de compartilhar, porque muitos (diria milhares) apostam neste investimento e se sentem seguros. Falo dos livros de autoajuda. Antes de trabalhar a ideia, gostaria de me posicionar e deixar claro meu ponto de vista.

Conforme disse, é minha opinião, baseada em minhas convicções, portanto isenta de críticas outras que não apenas as minhas: não acredito nesta literatura e não reputo fundamentos sólidos para sua proliferação enquanto meio para mudança comportamental e de estado de humor. Apesar de entender que tais questões são pessoais e íntimas, de modo a cada um gerenciar sua vida a seu modo.

Mas vamos ao assunto.


A revista Cultura, da livraria de mesmo nome, trouxe em julho um bom artigo, escrito por Lívia Deodato, em que se articula todo um arsenal de dados dando conta da vertiginosa avalanche de livros lançados neste gênero. Aliás, em tempos bicudos todos tentam diminuir as dores das pancadas por meio de propostas que resultem em novos caminhos e menos sofrimento.

Atualmente a autoajuda se tornou no gênero que mais alavanca os números do mercado editorial, no Brasil e no Mundo. De 2017 para cá temos um crescimento de 11% de vendas em livros impulsionados por este filão de seção; isso é um dado importante porque sabe-se que 30% da população brasileira nunca comprou nenhum livro e 44% desta mesma população não lê livros.

Uma questão crítica fica por conta de que entre estes 44% de pessoas que não leem livros estão muitos universitários, em formação, que reputam à internet toda sua fonte de consulta e de conhecimento. Algo assustador pela não profundidade e pela pequena seriedade em muitos dos sites de busca, além da questão voltada ao conhecimento dos clássicos, que são desprezados e passam ao largo daqueles que cursam o nível universitário.

Lívia Deodato “brinca” ao intitular seu artigo de Oráculos de Papel, porque estes livros atendem a demandas variadas que vão desde problemas de saúde até assuntos de política, passando por demandas financeiras, amorosas, de trabalho, cobrindo todas as áreas do desenvolvimento humano com uma linguagem fácil e muitos exemplos, em formato de receita de fácil manejo. Portanto, fascinantes.

A questão fica séria quando vemos/lemos que os leitores encontram aquilo que procuram: dicas rápidas e precisas, fáceis de serem acionadas, duvidosamente eficazes e didaticamente organizadas em listas, como se fosse uma proposta no formato de checklist, para facilitar o passo a passo. E isso gera uma compulsão na divulgação e na aplicação da propositura: essa sacada foi boa. Isso dará certo. Vou tentar…se deu para ele, será eficiente para mim.

Trata-se de um filão literário que abrange todos os aspectos da vida humana; no desenvolvimento das pessoas, questões ligadas à vida afetiva, econômica, profissional, espiritual e de saúde podem ser lidas, analisadas e transformadas por esta literatura que vem na medida da necessidade de cada um: isto cabe uma reflexão.

Se vem na medida de cada um, então não é tão mal assim? Pois é, por isso este oráculo de papel merece um olhar mais atento e mais cuidadoso. Tanto quanto o antigo e clássico Oráculo de Delfos, a grande proposta é: conhece-te a ti mesmo. Caso isso aconteça, o leitor estará em momentos de devaneios, numa leitura suave, descompromissada; caso contrário, seu autoconhecimento não se complementará com as pílulas de conselhos genéricos e sem profundidade.

Dietas, curas, mudanças de empregos, ensino-aprendizagem, dores físicas e dores psíquicas, dores morais, aplicações financeiras e mudanças de rumo profissional são temas costumeiramente retratados nestes bons livros de vendas; existe um fascínio e uma carência em ser consolado e ser orientado ao porto seguro, porque quem passa por aflições e tormentos interiores e não se dispõem a procurar uma ajuda profissional efetiva.

Para se ter um ideia de como andam os números, o livro A Sutil Artte de Ligar o F*da-se, de Mark Manson já vendeu mais de 183 mil exemplares, até junho de 2018. Imagino o quanto venderá a medida que as eleições se aproximarem, num cenário tão desastroso como este que se configura em nossa sociedade; facilmente baterá acima dos 250 mil exemplares, tendo em vista que muitos estão cansados destas pegadinhas falaciosas de nossos pretensos governantes. Então, porque não exercitar a sutil arte de ligar o f*da-se?

Por outro lado, a bíblia da autoajuda é o famoso Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, que já superou, à distância, o número de 50 milhões em todo mundo, mesmo tendo sido publicado, pela primeira vez, nos idos de 1936. Segue, no mesmo trilho, a sensação do momento: “Me poupe!“, que teve seus volumes esgotados em três horas, no lançamento, em São Paulo.

Estes comportamentos de público nos mostram que os livros são mestres para quem os lê. Cada leitor tem seu perfil estabelecido e isso o conduz a um tipo de busca, a um filão necessário que o preencha, naquele momento, daquela forma. Um mestre, portanto. Cabe ao leitor saber o quanto deve se apegar ou o quanto deve se distanciar da temática, tomando outras decisões e escolhas. Cabe ao leitor.

Mas, e o leitor desavisado? O leitor despreparado? Então, o que vale é como cada conteúdo será processado internamente pelo leitor. De que adianta ler Freud, ou Shakespeare, ou Marx, ou Machado de Assis se o leitor não é tocado ou transformado pela leitura!!!! Lembro-me de haver lido Grandes Sertões: Veredas, por pelo menos quatro vezes, em diferentes etapas de minha vida. Em cada uma delas me deparava com uma significação. Mas em todas era inquerido sobre a leitura de um livro difícil de ser engolido, chato e imenso. O que vale é como cada conteúdo será processado internamente pelo leitor.

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Na realidade, em todo gênero há obras boas, edificantes, construtivas. E há obras fúteis, fracas, rasteiras e introdutórias. Fica claro que em momentos de fragilidade social e instabilidade econômica, no meio desta crise, essa busca aumenta, pela facilidade de compreensão e pela lista proposta para resolver o seu problema. Mesmo que o seu problema seja seu e dentro de um contexto igualmente seu.

Atente-se ao seu Oráculo de Papel e não titubeie caso ele não apontar proposta de solução para suas questões. A ansiedade, o medo e a depressão não esperam muito para aterrorizá-lo. Não será apenas uma relação de passos que apontarão caminhos quando a mente se nega a favorecer a mudança do comportamento. Um profissional especializado na saúde mental tem conhecimento de técnicas que favorecem estas análises e proporcionam estas mudanças.

Que não deixemos de ler. Mas que tenhamos a real compreensão das nossas necessidades e dos caminhos certeiros que devamos seguir, para sermos mais felizes e mais conscientes. Que todos os Oráculos estejam a nosso favor e ao nosso lado, nos momentos das escolhas, mas que tenhamos certeza de que somos os executores de nossas caminhadas. (Foto: pensamentoliquido.com.br)


AFONSO ANTÔNIO MACHADO

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia, editor-chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.