Não! Não fui eu!!! Eu não matei JOANA D´ARC

E vamos lá. Rir para não chorar. Rasgar a pele para não enfiar o prego na carne. Que situação hilária e trágica, ao mesmo tempo. Em alguns momentos penso estar dormindo e no meio de devaneios insanos, que não são sonhos nem pesadelos; são produtos de uma mente ruidosa e atormentada. Daí verifico que estou acordado, são e lúcido. E que não matei Joana D’Arc!

Essas alucinações são frutos do estado de turbulência do contexto que vivo. Minha alma está atormentada pela surrealidade do momento. Temo que não seja um privilégio meu, mas poucos se queixam.


E eu fico acordado, com sono, mas firme, para assistir o debate dos presidenciáveis. No entanto, preciso ser honesto e acreditar que procurei o canal errado ou o programa errado. Aquilo que vi não era Brasil.

Ou são austríacos e noruegueses que mostravam sua plataforma de governo ou alguns alienígenas que caíram em terras tupiniquins e tentavam vociferar sobre algo que não conheciam: educação, segurança, saúde pública, despesas oficiais, desmandos e descasos.

Fiquei chocado e horrorizado com o que ouvi. Ainda bem que não são candidatos ao governo do Brasil, pois são seres interplanetários. Alguns deles eram parecidos com personagens de nossa história política nacional recente. Havia um, de nome Geraldo, que disse que implantará no país um sistema educacional igual ao implantado no Estado de São Paulo. Que Deus tenha piedade do povo brasileiro, se tal feito se concretizar; será o fim desta nação promissora (sempre ouvi que o Brasil é promissor, desde que estudei Geografia, na quinta série).

Uma outra, senhorinha já, falava com voz de sofrida, bem esquálida, e trouxe à tona um discurso que já fizera em duas outras oportunidades quem que se propôs a algo que não vingou. Ela falava como se o Brasil de hoje fosse o mesmo de cinco anos atrás e de dez anos atrás. Nada havia mudado. Nem ela, é obvio.

Mas nem tudo esteve tão perdido: falou também um alucinado que classificou seus pares de ignorantes, incapazes e impróprios. Fiquei feliz por ter ao menos um que percebia isso, mas a felicidade durou pouco, visto que não havia plano de governabilidade exequível, partindo deste alucinado cidadão, com olhos arregalados, gestos incontidos e fala estabanada.

No meio destes resistentes heróis que querem se sacrificar para ver o país grande, dando sangue para a salvação da pátria, surge um outro, também com fala alterada e insana, que parecia estar saindo daquela novela da Globo (O Tempo Não Para), do núcleo dos congelados: ele tem solução para tudo, o Brasil viverá um revival pois teremos um patrulhamento ideológico que apontará para os comportamentos abusivos. Algo do tipo Tradição-Família-Propriedade, em que o tradicionalismo será a ordem do dia.

Bom, sem falar nos candidatos dos partidos nanicos. O que falar deles? O que pensar do povo? Será que alguém acredita em alguma coisa destas? Em alguns destes? Os absurdos ficam por conta de alguns não conseguirem apresentar sua própria proposta de governo, não terem nítidos os problemas reais do país, não terem polidez para falar ou debater com seus interlocutores.

Como disse, no início do assunto: “No entanto, preciso ser honesto e acreditar que procurei o canal errado ou o programa errado. Aquilo que vi não era Brasil.” Acho que eu estava sintonizado em algum programa de Vênus. Ou Plutão. Ou até Saturno, diante de tanta insanidade.

Mas ainda reservo uma insanidade maior: daqueles….daqueles que se apresentaram, teremos que escolher um. Posso parar de escrever, não é? Como diz minha secretária do lar: deozolivre!!!


E na mesma toada vai a frase do procurador da Justiça que discursou na posse da presidente do TSE. Ele disse em alto e bom som, para todo o país ouvir, que o país não tem políticos ruins. O país tem péssimos eleitores, pois todos estes políticos presos, somente são políticos porque alguém votou neles.

Isso me doeu um tanto que quase peguei as malas e fugi. Esta verdade é doída e doida, ao mesmo tempo; e está prestes a se concretizar mais uma vez. De novo estaremos escolhendo o menos pior e de novo sofreremos por nossa escolha equivocada, infeliz e errada.

Haverá um momento em que teremos uma escolha acertada? Haverá uma época em que saberemos discernir entre o mentiroso contumaz, o alucinado e visionário e o lúcido? Realmente é possível endireitar esta distorção e embicar para momentos mais seguros, com menos ciladas econômicas e previdenciárias, com professores mais sábios, policiais menos corruptos, políticos que trabalhem de graça pelo país e médicos menos mercantilistas? Ou isto é utopia demais?


Tanto quanto o problema da escolha de candidatos (não quero pensar nem na escolha de síndico de prédio, porque o sistema operante é o mesmo), o discurso pró e contra redes sociais merece atenção. Serão as redes sociais as culpadas pela enorme taxa de desatenção em aulas? Serão as redes sociais as únicas responsáveis pela indução às drogas de nossa juventude? Serão as redes sociais idealizadoras de profissionais da Educação com pouca leitura e pouco traquejo sociocultural?

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É preciso que olhemos em nosso redor e compreendamos nosso contexto, para termos ideia das relações interpessoais ali estabelecidas e percebermos o nível de envolvimento com que cada um dos membros daquele grupo se aproximou e solidificou a coesão grupal.

A rede social ajudou a formar o grupo. Ajudou a fomentar a discussão. Mas não fez a escolha. Quem faz a escolha somos nós. Sempre. Nós somos os senhores de nossas Vidas.Se temos pouco habilidade social para realizar tal empreitada, a rede social não tem culpa. Se somos alienados, também não tem culpa. Quando aprenderemos a dar sentido aos nossos rumos?

Somos senhores de nossas escolhas e das decisões advindas dela.


Aos amigos, peço que não me lembrem dos próximos programas interplanetários dos chamados candidatos aos cargos elegíveis. Não curto humor nonsense nem filmes de terror trash.(Foto: brasil.elpais.com)


AFONSO ANTÔNIO MACHADO

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia, editor-chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.