O assunto ganhou grande repercussão nesta semana. Por que, afinal, a Justiça decidiu indenizar um latrocida? A explicação: enquanto houver a previsão constitucional pela qual o Estado é responsável pela incolumidade física e psíquica dos presos, decisões assim, no Supremo Tribunal Federal, irão ocorrer às centenas – e nada terão de polêmicas. A decisão de que fato manda indenizar moralmente um condenado (e o crime pelo qual foi sentenciado é irrelevante para o que estamos examinando), em razão das condições degradantes de cumprimento de pena.

Vejam o que diz o artigo 5º, inciso XLIL, da Constituição Federal: “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Mais claro, impossível: se o Estado falha em assegurar o cumprimento de pena em condições dignas, terá que indenizar. E se o preso morre numa cela superlotada, ou por rixas de facções criminosas, sua família será indenizada, material e moralmente.

Claro que tudo isso choca, principalmente em um país pobre como o nosso, em que o cidadão honesto briga pela sobrevivência, tem que matar um leão por dia para sustentar a si e a sua família e ainda fica sujeito à brutal violência que nos acomete, a ponto de, sem exagero, estarmos vivendo uma verdadeira guerra civil camuflada. Como cidadão, que trabalha e paga seus impostos absurdos em dia, também fico chocado e com um sentimento de injustiça preso na garganta.

Mas, como operador do Direito que sou, tenho por obrigação saber o que diz a lei – e suas consequências, para passar de forma correta ao leitor do Jundiaí Agora. Lei e moral são conceitos diversos, como aprende o aluno de primeiro ano de Direito; a moral é mais ampla e abrange o Direito, serve de fonte para o Direito, mas com ele não se confunde (lembre, o aluno ou ex-aluno, dos círculos concêntricos de Bentham, o utilitarista). A quebra das regras morais leva geralmente a uma punição social, o ofensor é afastado do convívio social, mas nem sempre a lesão moral é também uma ofensa ao Direito; e o contrário também acontece: a maioria faz sua fezinha no jogo do bicho, que é ilícito contravencional, e moralmente ninguém sente ter feito nada errado – e não fez mesmo.

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A questão, por outro lado, é muito mais complexa. Seria muito mais barato investir em prisões decentes, nas quais se desse ao preso condições de voltar à sociedade (porque um dia ele ou ela irão voltar) sem ser necessariamente um “soldado” do crime organizado, como hoje acontece. Os presos custam fortunas que não revertem em nada para a sociedade (dinheiro quase sempre superfaturado), saem muito piores do que entraram e não só irão reincidir como os crimes que passarão a cometer serão mais graves do que aqueles que os levaram às grades. Ninguém ganha nada com isso, salvo as facções criminosas que têm sempre, à sua disposição, a mão-de-obra de que necessitam para se perpetuar – e cujo poder é imenso, dificílimo de combater.

Por tudo isso, muito antes de criticar o STF por uma decisão que é até banal, porque decorre diretamente da Constituição Federal, o que temos a fazer é, ou mudar a lei, impedindo as indenizações que hoje são consequência natural dela, ou mudar a realidade das prisões, o que pode custar muito de imediato, mas sairá muito mais barato a médio e longo prazo. Por ora, a lei vai continuar a nos chocar. (foto acima: www.stf.jus.br)

 

LEVADACLÁUDIO ANTONIO SOARES LEVADA
Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mestre/USP e Doutor/PUCSP em Direito Civil. Professor e Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica do Unianchieta. Professor da Pós-Graduação da PUCSP em Direito Civil. Diretor Jurídico da Associação Paulista dos Magistrados.