Diante dos ENEM, dos ENADE e de todos os outros exames possíveis eu me vejo analisando a nossa formação universitária e tudo o que cerca esta fase da vida de uma pessoa, no Brasil. A vida do estudante dos ensinos fundamentais básicos até o mais alto grau de formação passa por muitas transformações, no decorrer de cada ciclo, logicamente. Mas e o professor, profissional do ensino? Ele também se transforma?


O jovem cursava ensino médio na década de 90, numa das mais conceituadas instituições da terrinha. Sua meta eram os vestibulares públicos, porque entendia que as faculdades públicas seriam Mecas do Saber, para tanto devorava livros e livros de Matemática, Química e Física, ainda que estivesse se preparando para a área de Humanidades.

Acabou indo parar numa conceituada faculdade particular, onde se graduou e, de lá para o Mestrado e Doutorado de sua área de formação. Tornou-se mais um especializado da superespecialização e domina sua especialidade com vigor e absoluta facilidade. Em conversas com amigos, numa roda de cerveja, em final de semana próximo, vivenciamos o diálogo:

“Fui a Paris, fiz um passeio com minha garota por toda a cidade”, disse um colega.

”Pô, deve ser lindo mesmo. Espero fazer isso em breve…”, retruca nosso especialista.

“Sim, Paris é linda! Tudo cheira à arte. Muita coisa bela, coisas antigas e modernas se misturam. A torre Eiffel é algo indescritível”, diz o colega viajado.

“Que porra é essa?”, indaga o brilhante especialista.

Não vou fazer observações nem considerações. Apenas sinto muito pela formação brilhante em sua especialidade: muito saber para uma cabeça vazia. Muito livro para uma estante carunchada e com cupim. Inculto e vazio, do ponto de vista de Vida. Pobre sábio.


E os alunos ficam em silêncio cada vez que se mostra os passos da Vida Acadêmica. Em especial porque existem regras para o caminho, que começam com uma graduação séria, uma boa especialização, um mestrado e doutorado, uma livre-docência e um exame para Titular de cargo, encerram a trajetória que pode ser pontuada por tantos pós-doutorados quanto se queira.

Feliz daquele que se envereda com convicção e acerta na formação básica, com uma graduação que lhe oferece base para a continuidade; isso demanda boa escolha, bons professores e perseguição tenaz aos objetivos propostos: é preciso saber onde se quer chegar. Sem isso, a formação representará uma colcha de retalhos, onde os desenhos não se encontram nem formam cenas. Será sempre mais uma formação, sem liga e sem combinação.

Mas os alunos da graduação sempre se esquecem que seus professores não começaram ali, onde eles estão hoje. Que o caminho foi longo e cruel, em sua maior parte de vezes. A escolha pela especialização não deve ser uma busca de facilitadores, mas uma decisão orientada ao próximo passo: o Mestrado; e este deve ou pode predizer o rumo do Doutorado. Ou não, se pensarmos que a ciência do século 21 é interdisciplinar.

Se a opção for a interdisciplinaridade, o caminho será mais tortuoso e mais cruel, pois demandará mais conhecimento, mais velocidade de raciocínio, mais leituras e mais complementaridades. Isso tudo significa mais tempo de leitura, mais experiências em laboratórios, tenham eles o formato que tiverem, maior diversidade de saber, domínio conexo de vários campos do saber e muita curiosidade para pesquisas e investigações sem fim.

Se a opção for a disciplinaridade, talvez uma mesma coleta possibilite que alguns dados sejam apresentados no Mestrado e os demais sejam recortados para melhor análise e posterior fundamentação da tese de Doutorado. E em toda sua sequencia. Haverá uma trilha a ser seguida, sempre seguindo os mesmos parâmetros, os mesmos fundamentos e axiomas que balizarão a formação.

Raramente, mas não incomum, surge a pergunta se uma proposta é mais fácil que outra; a resposta é que não existe facilitações na carreira acadêmica, visto que o saber corre por linhas ágeis e sinuosas e, nem sempre, tem início, meio e fim, uma vez que a cada nova descoberta outros horizontes estão por se descortinar. A escolha entre uma e outra proposta deveria ficar por conta da formação básica do sujeito desta história. Aquele que tem mais habilidade no trato de questões complementares e vislumbra algo além do inusitado, serão bem vindos à interdisciplinaridade, enquanto os que focam num objetivo e se prendem a fundamentar aquele desenvolvimento com estudos paralelos da mesma ordem serão os afeitos à disciplinaridade.

Lógica é que muitas outras variáveis completam tal escolha e isso demandará uma leitura contextual de cada um dos candidatos a este ou aquele tipo de programa de pós-graduação. Aliás, não é o programa que formatará o candidato: seu perfil será preditor de onde deve se agregar. E o orientador será aquele que fará os ajustes e as contraordens no andamento da dissertação ou tese.

Mas volto a dizer: muitas e muitas horas de estudos, muitos e muitos livros, além daquele único que leu até o fim, muitos e muitos projetos e investidas até chegar ao ideal. O imediatismo não tem lugar nessa etapa da Vida: todo planejamento é pouco e toda rota pode ser alterada, sempre. Paciência e determinação são palavras chaves e ideais para se aplicar em momentos mais árduos, que serão muitos.

Às vezes perguntam sobre as vantagens da vida acadêmica. Eu entendo que o máximo das vantagens esteja em servir. Servir à Ciência, à Vida, à humanidade. Vejo ai uma grande vantagem, que também se mostra à disposição das demais carreiras profissionais; a diferença é que na vida acadêmica recebe-se por isso. Trabalha-se com isso. Produz-se para isso. Este é o endereçamento de tudo o que se constrói dentro da academia.

Ao menos deveria ser: retornar à sociedade aquilo que a sociedade pagou para ter.


Depois aprofundarei mais as ideias acima iniciadas, porque a Vida Acadêmica merece ser melhor trabalhada: a construção de uma carreira leva toda uma vida e não é recompensada pelos pares. Mas isto será motivo de novos olhares e novas inquietações, que trarei semana que vem. Agora vou por outro lado, a perguntar: e quem forma o formador? E quem educa o professor?

Quem é o gênio que trabalha para formar o educador?

Cada dia fica mais difícil pensar numa formação idealizada que busque equilibrar cada feição da ciência e dar uma pitada excepcional e certeira que possa garantir: daqui sairá um grande educador. Daqui sairá um grande professor. Sinceramente, em meus 35 anos de magistério, do maternal ao ensino superior mais que superior (supervisão de pós-doutorado) nunca sei se estou acertando. Existem momentos em que vislumbro um redondo e desastroso furo, um erro crasso e cruel, mas não consigo contornar nem retomar a trajetória.

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Esborracho-me contra a parede da Vida, que é muito dura e inclemente, levanto-me e recomeço a caminhar, pois na Educação não se pode ter trégua. O movimento implica em novo movimento ou contra movimento, sempre. E lá vou eu, com os meus, buscando o novo, amparado pelo tradicional e pelo mais atual dos saberes. Sempre assim. Quando não se faz esta caminhada solitário e silencioso.

Mas quem educa o educador? De que fonte ele precisará beber para vislumbrar caminhos inovadores e mais adequados para cada situação? Qual o tempo será gasto para formar o educador? Em qual escola ele encontrará mais ferramentas e mais habilidades para desenvolver seus projetos e distribuir entre seus pares?

Conversaremos sobre isso, certamente, logo mais. (foto acima: spice4life.co.za)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia, editor-chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.