Os temas das campanhas da fraternidade mobilizam as inúmeras catequeses e paróquias em todo Brasil, difundindo-se das pessoas ali envolvidas para a comunidade. É uma forma que tem se mostrado inovadora para nos fazer refletir, da forma mais ampla quanto possível, sobre questões atuais como o do tema deste ano de 2017, que trata dos biomas aliados à defesa da vida. Para que também nós conheçamos um pouco sobre cada um deles, e possamos assim integrar essa bela iniciativa, vamos começar lá no sul, com o bioma Pampas.
O nome vem de uma palavra de origem quíchua, povo indígena da América do Sul, que significa “região plana”, traduzindo a geografia encontrada na região; abrange majoritariamente o Rio Grande do Sul, Paraguai e parte da Argentina.Em termos de devastação, só fica atrás do bioma Mata Atlântica: seus campos se espalhavam por 63% do território gaúcho; hoje estamos na marca de 36% dos remanescentes vegetais (Andrade R.O., Revista FAPESP, 2013). (Imagem abaixo).
Alguns motivos podem ser listados para explicar esses números preocupantes. O primeiro é que os Pampas só foram alçados à categoria de bioma em 2004, retardando a incidência de uma série de benefícios e proteções legais ambientais. E tornemos aos números, para podermos ter uma noção: em relação às áreas naturais protegidas no Brasil ele é o bioma que menor tem representatividade no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), com uma fatia de apenas 0,4% da área continental brasileira protegida por unidades de conservação. No Rio Grande do Sul, somam 2,46%: 0,64% pertencentes a unidades de conservação de proteção integral e 1,82% de uso sustentável. Ainda há muito a que se fazer.
Por quê? Os pesquisadores constataram a enorme diversidade de plantas lá existentes (2.000 espécies catalogadas), em sua maioria endêmica (990 espécies), isto é, que são próprias da região, e a devastação desses campos já ameaça extingui-las (213 espécies) sem ao mesmo conhecê-las totalmente antes. Assinalam ainda uma certa dose de negligência: visualmente não se detecta degradação nesse tipo de paisagem, como nas florestas, quando há uma alteração visual significativa. Curioso, não? (Imagem abaixo)
A degradação seria fruto de práticas equivocadas no uso do solo: existe uma vocação natural dos Pampas para a pecuária, com manejo correto do gado, ovinos, praticada outrora pelos povos indígenas. Ao contrário, na criação intensiva, tem-se o sobrepastejo, que é um número excessivo de animais em uma área que não os comportam (abaixo).
Mas o pior estaria nas práticas agrícolas, monoculturas de soja, por exemplo, que empobrecem o solo, e a silvicultura: grandes empresas de papel e celulose têm adquirido centenas de hectares para plantio do eucalipto, monocultura que traz impactos ao redor, criando obstáculos aos corredores de fauna. Assim como vemos aqui na Serra do Japi, a silvicultura vai de encontro a práticas sustentáveis e de preservação ambiental em ambientes protegidos: na época do corte destruirão todo o sub-bosque criado nas porções próximas ao solo, prejudicando a manutenção dos mamíferos que ali sobrevivem, circulam e se reproduzem.
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A Campanha da Fraternidade 2017, sabiamente, coloca em sua divulgação imagens de povos que sobrevivem como minoria hoje nos biomas, mas que têm muito a contar na contribuição que tiveram e têm na sua preservação. Em relação aos Pampas são os povos indígenas: no início já fizemos referência a eles. Vejamos mais curiosidades: você sabia que tomar o chimarrão e comer churrasco, tão típicos nos Centros de Tradição Gaúcha (CTG´s) faz parte de sua herança?
Os primeiros e milenares habitantes que viviam na região foram os Guaranis (tape, arachane e carijó), no litoral e parte central até fronteira com a Argentina; os Jê (Kaingang e Xokleng), planaltos do norte e nordeste e Pampianos (Charruas e Minuanos), no sul, próximo ao Uruguai. Submetidos a intensos massacres pelos colonizadores e no início do século XIX, pela milícia bugreira (profissionais contratados por colonos), os pampianos foram exterminados já no século XIX; os Jê, hoje pouquíssimos, vivem em áreas demarcadas com escassos recursos naturais e problemas crônicos de sobrevivência e manutenção de sua cultura. E não diferindo dessa situação, os guaranis, mais numerosos, remanescendo no litoral (foto abaixo).
A Campanha da Fraternidade chama a atenção de forma concisa e ecumênica: a manutenção da vida vai exatamente ao encontro da convergência da proteção ao meio ambiente, das paisagens, flora, fauna, recursos hídricos, riquezas minerais com os povos que ali habitavam e habitam. Sejam minoria, como os povos indígenas ou como os que hoje são maioria, muitos descendentes de outros povos, estrangeiros, que fizeram sua vida em terras comuns a todos, todos no direito de desfrutá-la harmoniosamente.
ELIANA CORRÊA AGUIRRE DE MATTOS
Engenheira agrônoma e advogada, com mestrado e doutorado na área de análise ambiental e dinâmica territorial (IG – UNICAMP). Atuou na coordenação de curso superior de Gestão Ambiental, consultoria e certificação em Sistemas de Gestão da qualidade, ambiental e em normas de produção orgânica agrícola