PENSAR OU SENTIR: e por que não podemos ter os dois?

De onde vem tamanha angústia e tanta agressão? Será que treinamos e nos condicionamos para responder com uma aversão incontida, a tudo aquilo que nos circunda? Porque a semana foi repleta de exemplos em que não demos chance ao raciocínio superficial: fomos apenas passionalidade. Fica a pergunta. Pensar ou sentir: e por que não os dois??? Vejamos.


Horrível, indescritível o caso da morte do cãozinho, pelo funcionário do Carrefour. Nada justificaria o gesto, nada diminuiria o impacto da violência e da morte do cão. No entanto, as manifestações não tiveram relação de causa-efeito, não tiveram sensatez e ponderação.

Não ir às lojas do Carrefour pressupõe que todas elas tiveram funcionários treinados para executar cães. Será este o fato? Fazer levante com palavras de ordem, de modo a não entrar e não consumir artigos daquela empresa é algo desordenado e desproporcional: a indignação e o pavor pela morte precisam ser manifestados de outra forma, em outra direção.

Sim, claro. Foi um ato selvagem e que merece demonstração de discordância e repúdio, mas à todas as lojas da mesma empresa? Ou merece um ato pontual, firme e assertivo, que expresse a indignação, o nojo, a sensibilidade do povo, o repúdio, o rancor àqueles que cometeram o gesto insano?

Pensemos melhor: um motorista atropela alguém na calçada. Vamos sair às caças contra todos os motoristas porque um atropelou um cidadão? O que é mais racional e o que é mais adequado? E sair à caça do motorista infrator não significa que não se fez justiça, que não se percebeu o erro, que não se indignou com o gesto. Mas, racionalmente, optou-se por dar cabo ao fato em si, sem generalizar.

Quando extrapolamos, perdemos a capacidade de racionalizar e focar naquilo que nos afeta. Ficamos tão insanos quantos nossos alvos. Difícil entender isto? Os assassinos do cão merecem e devem ser incriminados e punidos, com rigor, pelo fato do ataque ao indefeso e pela falta de cultura e respeito com vidas alheias. Mas converter tais penas em ataques às demais lojas da rede, parece-me severamente desproporcional e selvagem.

Podemos pensar nisso? Ou a sentença é definitiva e perpétua?


Na mesma direção, segue a agressividade exposta e vivida nos últimos dias, após eleição. A selvageria e o rancor exposto apenas demonstra que, de uma certa forma, não sabemos brincar se a regra não for a nossa. Algo como: entro no jogo, mas se eu não ganhar eu destruo tudo.

Sem muitas palavras, pois isso é algo muito desagradável de tratar, quando iniciou o processo eleitoral, sabia-se que teríamos um vencedor apenas. De forma alguma ou em momento algum foi dito que o vencedor venceria e o perdedor venceria, também. Esta é a regra do jogo. Então, as indignações posteriores deveriam ser revistas, pois estão se transformando em agressões incontidas e xiitas.

Atos do atual governo são imputados ao futuro presidente. Erros do atual governador são apontados como projetos do futuro mandante. Que loucura e insanidade são estas? E o pior: pessoas estudadas, pessoas cultas, pessoas com razoável discernimento emitem opiniões tão fantasiosas que chegam a deixar seus interlocutores cansados e desanimados com o diálogo.

Vale lembrar, que tais diálogos têm formato de monólogos, porque os lúcidos já não se envolvem mais com estes argumentos fantasiosos e ingênuos, que não se encaixam e não apresentam clareza nem seriedade. Fica no ar a informação do louco que tenta pular o muro pelo foco de luz: não há fundamentos. Cansa.

Mas, na mesma lógica do destruir o Carrefour, a ordem é torcer para que tudo dê errado. Tudo. E quem perde será o xiita. E os demais. Qual a lógica disto?


Acabo de fazer o ENADE, o tal exame nacional de desempenho que todo formando deve fazer e pontuar suas faculdades. Um exame chato, cansativo, com questões de múltiplas escolhas e 8 delas eram dissertativas. As dissertativas não atingiram os conteúdos em sua integralidade, mas não eram as mais difíceis; as dissertativas faziam um exercício de reflexão mas não cobravam conhecimentos específicos. Eram bem elaboradas, longas, complexas e genéricas.

Entretanto a pérola do ENADE, fica por conta dos examinadores: totalmente dependentes de uma frágil coordenação, sem autonomia para nada e autoritária desnecessariamente. A uma pessoa com muletas era sugerido que subisse a escadaria da escola, visto que era impossível passar pela cerca feita com as faixas plásticas zebradas.

Questionados sobre o por quê não passar pelas faixas, a resposta foi: porque não pode. E ponto. Não pode, porque não pode. Ridículo. E, para se conseguir passar por aquele espaço adequado à portadores de dificuldades locomotoras foi necessário falar com todos os coordenadores possíveis, que davam respostas à distância.

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Nas salas, o que se via era um show de horror: celulares e relógios dentro de um envelope plástico que se identificava e lacrava, colocando-o embaixo da carteira. Caso o celular tocasse, mesmo estado lacrado no envelope, o coordenador era acionado, com possibilidade de anulação de prova do descuidado examinando cujo celular tocou. Mesmo ele não podendo saber nem quem o chamava, pois o aparelho estava lacrado no envelope. Raciocínio curto, hein?

E as autoridades? Dando instruções em voz altas, quase gritando, num estado emocional muito alterado. Inclusive, levou a uma examinanda questionar: por que você está gritando? Ninguém gritou com você! E, então, a fala toma outro sentido. Mas o primeiro ato já estava em ação.

O que é um exame? Apenas as questões ou todo o contexto? Acredito que o ENADE perdeu quando tais eventos se consolidaram. Será que num contexto deste consegue-se avaliar uma instituição de ensino? Vamos repensar nisso, também. (Foto: Youtube)


AFONSO ANTÔNIO MACHADO

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia, editor-chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.