E chega o Carnaval, mas o ano não termina. Típico daqueles anos que tiraram o couro da população e trituraram o bolso do cidadão, mas nenhum proveito voltou a quem de direito. O povo está perdido entre o desespero e a insanidade, com sustos diários de aumentos em gás, energia elétrica, tributos outros, alimentação caríssima. Por sorte, desta feita não se diz que a inflação subiu por causa do chuchu ou da banana, cujas safras foram deficitárias, como ouvíamos anos atrás. Hoje, já não se explica o inexplicável. Não se fala sobre o indizível…
E as férias escolares têm seu início, com muita euforia: ninguém aguenta ficar preso a uma sala, com um calor escaldante e material pouco interativo. Seria um excelente momento para se analisar e debater material pedagógico e escola moderna. De que escola e de que material que se fala, se o docente não consegue abrir janelas de contemporaneidade em suas falas e ações?
É assustador quando ouvimos profissionais da Educação se queixarem de alunos dispersos e irrequietos e, numa forma geral, ‘tipá-los’ como portadores de TDAH, o inusitado Transtorno de Déficit de Atenção, quando na realidade eles apenas não suportam a monotonia e a desatualização reinante na escola moderna.
Acredito, ainda, que se fossemos analisar este tema, deveríamos iniciar nossas discussões por aquilo que se entende como moderna. O que seria esta tal escola moderna? Aquela em que se pode sentar no chão? Aquela que aboliu o Hino Nacional? Aquela que não tem rigor quanto ao uso do uniforme escolar? Não….isso não é modernismo. Isso nada responde ao que se pretende quanto a uma escolarização moderna e arrojada.
A escola moderna tem seu corpo docente atualizado. Opssss!!! Atualizado é diferente de portador de vários cursos de atualização ou especialização. Atualizado é aquele profissional que se especializa ou aperfeiçoa e põe em prática aquilo que aprendeu, com propriedade. Ultrapassa o senso comum, avança para trincheiras dos limites de si, apresentando o novo, trazendo o inusitado, instrumentalizando com o de mais atual e desafiador que existe.
Na verdade, é o que sai do lugar comum e introduz seus pupilos num mundo de descobertas que façam sentido ao nível e grau de ensino a que se propôs conduzir. Este é o atualizado. Fluente, bom domínio da área, desafiador e desafiante, bom leitor e bom construtor de pontes entre o aqui e o acolá, entre o hoje e o amanhã. Onde estão os educadores atualizados? Quais cursos de especializações formam estes educadores?
E o ensino superior está às voltas com os suicídios, porque descobriram, agora, que aluno suicida. Como poucos sabem como funciona a engrenagem, fica difícil acreditar que um mestrando ou doutorando entre em crise existencial. Na verdade, não é que eles entram em crise, mas são colocados nas crises de seus orientadores.
Conforme as pesquisas mostram, os mestrandos e doutorando se sentem acuados e acabam por sofrer demais, vulnerabilizando-se e perdendo-se no desenvolvimento de seus trabalhos. As alegações são inúmeras: cobranças excessivas, maus tratos, ofensas, ameaças de vários tipos e assédios constantes.
Soma-se a isto o fato de que o tempo é inclemente e não para e as datas limites são sempre justas e cruéis com todos. O processo não permite vacilo nem deslizes, o que faz com que tudo seja muito preciso e pontual, sem chances para meias palavras, meias atitudes. Soma-se tudo e temos uma bomba de efeito retardado, prestes a explodir a qualquer momento.
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Alarmante é o fato de que orientadores não percebam que seus alunos estejam à beira do abismo. Significa que eles não têm percepção de comportamentos normais que se diferem de comportamentos extremos? Ou que eles não se incomodam com os comportamentos extremos de seus alunos?
Outro fato relatado é que a incidência de suicídio entre os alunos e maior do que em alunas; numa leitura rasa sugere-se que elas são mais resilientes que eles. Sugere, ainda, que as mulheres chegam à pós-graduação com preparo emocional mais apurado. Independente de qual seja o gênero, o que vale é que são seres humanos que não merecem passar por este calvário, como ninguém, de fato, merece. Mas o que será que há, de podre, no reino da Dinamarca? A FSP questionou as universidades brasileiras se há estudos internos e propostas de intervenção para a situação do suicídio dos pós-graduandos e muitas delas dizem que sim. Há. Preocupam-se com isso. Mas…
E com relação às queixas dos orientandos, sobre seus orientadores? Afinal, quem colocará o guizo no pescoço do gato? Quem já não ouviu sobre a perseguição de um orientador contra um orientando? Dos insultos e assédios? Dos abusos em relação ao tempo livre ou em relação ao distanciamento familiar? Da apropriação do orientador sobre a vida do orientando? Isso não é lenda; é realidade.
A crueldade anda solta e o que mais assusta é a ausência de um espaço especializado em saúde mental, nos mais altos e renomados centros de pesquisas do país, para atender alunos e professores, oferecendo apoio, orientação, intervenções pontuais diante dos desarranjos emocionais e mentais a que todos estão sujeitos, em especial os que convivem com as agruras das descobertas que nem sempre se concretizam, por fatores inusitados.
Como seria bom que todos conhecessem os bastidores do mundo das pesquisas acadêmicas. Quem sabe assim os insultos e as maledicências sobre este espaço considerado neutro e culto seriam modelados para ações mais proativas e acolhedoras.Estou preparando um material que se tornará um livro de saúde mental, sobre este ambiente poluído. Muitos mitos e muitas verdades precisam ser desvelados.
Hoje pela manhã, uma amiga legal me liga e diz: estou curiosa por ler seu texto sobre o Natal. Sinto deixá-la neste estado de expectativa, mas ela que escreva sobre o Natal; no momento o Natal me preocupa quando penso nos enfermos, nos abandonados, nos que estão em situação de rua. Quem olhará por estes, a não ser eles próprios? (foto acima: jmais.com.br)
AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia, editor-chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.