A última lembrança que Lucas Olímpio Pereira tinha do Brasil era o voo sobre São Paulo. Era novembro de 1993 e o garotinho de dois anos começava uma nova vida. Tinha sido adotado por um casal italiano. Vinte e quatro anos depois, Lucas voltou ao Brasil e sobrevoou São Paulo novamente. O retorno foi registrado em vídeo(abaixo). Lucas legendou as imagens: “E com a tecnologia, ou com sorte? Ligar por acaso o telefone que me trouxe ao Brasil há dois meses. Eu tinha que procurar uma mensagem. Por acaso, vou para a galeria. E estou a ver vídeos. A cidade debaixo das nuvens. São seis da manhã. Sinto-me a começar a chorar. E estarei à frente por minutos. Meu Deus, sinto falta de tudo, sim…”. No meio da gravação é possível ouvir um gemido. Agora adulto, 25 anos, noivo, viajado, Lucas está abalado com a chegada. Afinal, iria reencontrar o passado: rever parentes e cultivar a ferida aberta pela morte dos pais, ambos viciados, e a adoção de um irmão, assim como ocorreu com ele próprio.
A história de Lucas, que na Itália tem o sobrenome D’Angelo, está intimamente ligada a de Thalita Pereira de Souza, que também foi tirada da família e adotada provavelmente por italianos, em 1996 (veja links nesta página). Os parentes nunca mais tiveram notícias de Thalita. Mas tentaram localizá-la de todas as formas. Criaram no Facebook a página “Mães de Jundiaí Procuram Filhos”. Através desta publicação, Lucas redescobriu-se. Foram os familiares de Thalita que passaram a investigar as origens do rapaz até que encontraram os parentes dele vivendo em Jundiaí, como há vinte e tantos anos atrás. E se sentiram felizes pelo reencontro que ocorreu no Circolo Italiano. Os professores serviriam para traduzir o que Lucas iria dizer. Não foi necessário. Linguista de profissão, ele aprendeu o idioma português trocando mensagens com os familiares de Thalita.
Em Jundiaí, Lucas fez um vídeo de poucos segundos da cidade (abaixo). Envelheceu as imagens e, como fundo musical usou a introdução de ‘Easy’, de Lionel Richie. Escreveu em italiano: così, semplicemente come ce l’ho dipinta da sempre nei ricordi. Traduzindo: “Assim, simplesmente como eu a pintei desde sempre nas memórias”.
Itália – Talvez por sorte, ele não se lembra de tudo que deixou para trás em novembro de 93. Também não se recorda como se adaptou aos costumes dos novos pais. Mas sabe que Maria Teresa Rossi tinha 27 anos e Felipe D’Angelo tinha 30, quando vieram a Jundiaí buscá-lo. Aos sete, já na escola, percebeu que havia alguma coisa errada. Notou que os colegas eram parecidos com os pais e ele não. Na foto abaixo, recordação dos colegas de classe, Lucas é o segundo da esquerda para a direita. Ele usava óculos. “Fui conversar com minha mãe e ela me contou que tinha sido adotado. Minha reação foi tranquila. Eu entendi na hora toda a situação”, explica Lucas que hoje mora em Portugal e tem forte sotaque daquele país.
Com os documentos da adoção, ele sabia a cidade onde tinha nascido. A partir daí, através do telefone celular, passou a pesquisar uma organização que o ajudasse a encontrar a família biológica. Deparou-se com a página “Mães de Jundiaí Procuram Filhos”, feita pelos parentes de Thalita. O acaso tinha colocado Lucas no caminho do redescobrimento do Brasil, assim como na foto abaixo, uma brincadeira que tem tudo a ver com a história de vida dele.
“Meus pais adotivos sempre apoiaram minha busca. Eles sabiam que chegaria o momento em que eu voltaria para o Brasil. Estavam preparados e me ajudaram”, lembra Lucas. Em dezembro de 2015, Lucas D’Angelo pisou o solo brasileiro e se tornou novamente Lucas Olímpio Pereira. “São Paulo é minha cidade favorita. Na Europa fala-se muito que o Brasil é um país pobre como a África. Em São Paulo fiquei muito satisfeito. É uma cidade rica, ordenada”, comenta. Por outro lado, ele estranhou o catolicismo praticado aqui. “Os brasileiros são mais católicas que os italianos. E olha que o Vaticano e o Papa ficam na Itália”, disse.
Ao voltar para Jundiaí descobriu que suas duas famílias “têm almas parecidas”. Aqui ele tem três irmãos e seis sobrinhos. Deveriam ser quatro irmãos. O último, segundo Lucas, nasceu no dia 13 de maio de 1993. “Minha mãe era viciada. Estava na cadeia. Meu irmão nasceu ali e foi tirado dos braços dela. Não temos nada dele, nenhum documento. Não sabemos sequer o nome. Não sabemos se está vivo ou morto. Eu gostaria muito de conhecê-lo. Ando a orar por ele todos os dias”, afirma. O pai de Lucas morreu no final de 1996. A mãe, alguns meses depois, já no ano seguinte.
Ao visitar as redes sociais de Lucas é possível perceber o orgulho que ele tem de sua brasilidade. Não faltam fotos dele com a camiseta da seleção brasileira ou até mesmo com o rosto pintado com as cores da bandeira (foto principal). Sobre a paixão nacional, o futebol, Lucas diz que não gosta de um time específico. Nem aqui nem na Itália. “Digamos que eu gosto de todos porque dá para matar saudades do Brasil pensando no futebol e nos jogadores brasileiros. Só tenho um mito no coração: Ronaldo, o Fenômeno”, conclui.
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