Vivências do ENTENDIMENTO

Olhar além possibilita vivências de entendimento. Mas, para isso, é importante conhecer um pouco a história das pessoas.

A menina está com quatro anos e já passou por situações difíceis. A mãe, com alguns limites de raciocínio, a concebeu com o indivíduo de atitudes dúbias, mais para o álcool e as drogas ilícitas do que para assumir o rumo de sua vida. Após decepção com o pai de sua primeira filha, imaginou – e creio que continua supondo – que fosse ele o príncipe encantado de sua história. E por esse “príncipe encantado” ela faz de tudo: permite-se estapear, fugiu em viagem para a terra natal dele, retornou e chegou a passar noites em construções abandonadas tendo a menina ao colo. Muitas vezes, ao amanhecer era vista em algum ponto de ônibus do bairro em que a família reside.

A lei levou-lhe a filha. O pai da criança, que a amava de seu jeito, sem prudência alguma ou renúncia, tentou reavê-la com ameaças, contudo não conseguiu. Distanciaram-se. Ora dizem que estão pelo sertão, ora comentam que se fixaram numa cidade do litoral. A pequenina está – muito bem cuidada – sob a guarda de uma pessoa com laços de sangue. É sobre ela que desejo comentar. Um dia desses, observava a entrega de pirulitos e brinquedos em uma entidade. Embora não tenha ainda a idade necessária para participar das atividades, aparece com as maiores. Apreciava os brinquedos diversos, olhos escuros com brilho, mas melancólicos e amedrontados. Ao chegar a hora de cada criança escolher um, é lógico que foi incluída. Dirigiu-se rapidamente ao carrinho de boneca e o elegeu determinada.

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Ao questionarem sobre a opção, em meio a tantas bonecas bonitas e bichinhos de pelúcia enormes, respondeu que era para guardar o seu bebê.

Compreendi que, em algum lugar dela, habitam os terrores e a insegurança das madrugadas ao relento, do pai com bafo de álcool que gritava com a mãe, da mãe que chorava nas agressões do pai… O essencial, portanto, com o carrinho, em lugar de desprotegida, tornar-se protetora. Empurrando-o, ao lado de quem zela por ela, caminhou vitoriosa pela calçada cinza.


MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE

Com formação em Letras, professora, escreve crônicas, há 40 anos, em diversos meios de comunicação de Jundiaí e, também, em Portugal. Atua junto a populações em situação de risco.