Vivências do ENVELHECER

Nas vivências do envelhecer, em meio à sabedoria, há um traço de amargura.

Estava parada no semáforo e observei um senhor que acabara de atravessar a rua Torres Neves, da Praça São José para a calçada da Rua Rangel Pestana, em frente à Galeria Bochino. Um pouco alquebrado e de cabeça protegida pelo frio por uma boina xadrez. Meu pai tinha uma dessas. Recordar-me de meu pai me faz sorrir, sem perder a dor da saudade. Demorou mais do que deveria o seu acesso à calçada. Tentava e retornava à sarjeta. Dois ônibus tinham acabado de estacionar, os passageiros seguiam apressados e o senhor, para eles, me parecia invisível. Notei que temia, ao subir na calçada, que alguém esbarrasse e o derrubasse. Em lugar de priorizar o espaço dele, preferiram o andar alucinado que nubla os olhos.  Que coisa! Sei desses medos, pois minha mãe os possui, até mesmo na fila da Comunhão.

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VIVÊNCIAS MISTURADAS

Na velhice, as pessoas, para determinados, se tornam despercebidas ou pesadas, estorvos ou minúsculas. É o tempo em diminuem as possibilidades de sugar delas interesses escusos. Encontram-se desfeitas de lucros e serviços para terceiros. Titubeiam no andar, no enxergar, no ouvir e, muitas vezes, também na lucidez. Mas são por inteiras; são o resultado do que viveram e do que experimentaram durante décadas. São destinadas a um canto empoeirado da casa, a um quarto de despejo, à distância de seu aconchego, em um depósito de idosos ou numa clínica que, por melhor que seja, não possui o cheiro e o abraço de seu lar. Não cabem, entretanto, na alma de gente de sangue e de desconhecidos.Tornam-se tão insignificantes que podem representar apenas o risco de um tropeço. Que horror! A falta de comunhão com os idosos, que carregam claridades de suas descobertas e práticas, retira de nosso meio o saber que fortalece e dá sentido à caminhada.

Infeliz o coração enrijecido que encolhe o idoso e se sustenta no pedestal de barro de sua soberba. (Foto: br.pinterest.com)


MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE

Com formação em Letras, professora, escreve crônicas, há 40 anos, em diversos meios de comunicação de Jundiaí e, também, em Portugal. Atua junto a populações em situação de