As vivências nos trilhos falam de história e viagem. Há alguns dias, o trem iluminado do Natal dos Trilhos, vindo de Campinas, encerrou seu percurso em Jundiaí, na Estaçãozinha que se encontrava abandonada e foi destruída em julho por um incêndio.  É um projeto que acontece desde 2017. A comitiva viaja por diversas malhas ferroviárias do interior de São Paulo. Usou-se aquela locomotiva na década de 50 para transportar produtos agrícolas para o litoral e está incorporada ao acervo da Associação Brasileira de Preservação. A escolha de nossa cidade teve como proposta sensibilizar a restauração do local e seu reaproveitamento como espaço cultural.

Bonito e significativo esse acontecimento. As ferrovias com seus veículos me tocam o coração. De 1973 a 1975, utilizei-me desse tipo de transporte para dar aula no SESI em Vinhedo. No primeiro ano, era o trem das sete. Seu apito se tornava música no coração. Em 74 e 75, viajava no “mistinho” das 11h30. Incrível observar as paisagens. Creio que me despertava a sensação de busca do desconhecido, além de minhas fronteiras.

Gosto de atravessar a Vila Rio Branco em direção à Av. Frederico Ozanan, margeando o trilho. Por lá, era a chácara de meu avô Castilho e imagino minha avó Virgilina, em meio aos seus tachos de doce de goiaba e abóbora, junto com ele, observando o trem que passava. Quando meus pais se casaram, a viagem de núpcias, para Poços de Caldas, aconteceu através de via férrea.  Um transporte incorporado à memória afetiva do povo. No Jardim Novo Horizonte, ouvi que algumas pessoas de mais tempo no local, com habitação construída na área dos trilhos da Sorocabana, em alguns momentos se sentiam incomodadas por interromperem percursos, embora a estrada de ferro estivesse desativada e, em noite alta, ouviam o trem apitar no telhado de suas casas.

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De minhas lembranças na estação de Vinhedo, a do aluno de nove anos, que me aguardava. Era de olhar triste. Em uma noite de horrores, o pai retornou mais cedo do serviço para confirmar se a esposa o traía. Ali mesmo, matou a mulher e o amante, enquanto o garoto protegia a irmã de cinco anos. Via-me descer do trem, a doze quarteirões da escola, e corria na frente. Em meu último dia naquela cidade, encontrava-se também na hora da partida com um vaso de violetas azuis. Permitiu-me abraçá-lo. Guardei-o na estação ensolarada de minha alma e desde aquela época rezo por ele.

Nessas divagações todas, desejo-lhes um 2019 repleto de bênçãos de Deus, de emoções bonitas, com trajetos que dizem de saudade terna e sonhos de esperança. (Foto: Paulo Henrique)


MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE

Com formação em Letras, professora, escreve crônicas, há 40 anos, em diversos meios de comunicação de Jundiaí e, também, em Portugal. Atua junto a populações em situação de risco.