Versatilidade e descrédito diante das TRAGÉDIAS

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Lembro-me de haver refletido aqui, no início do isolamento pandêmico, que duvidava de que o caos trouxesse uma moderada conscientização, diante de fatos extremos ou graves, para nós brasileiros. Recordo-me, ainda, de haver dito sobre nossa maneira de viver com nossos problemas e, em especial, sobre nossa versatilidade e descrédito diante das tragédias.

Sou obrigado a verificar que esta situação está acontecendo, agora, com a vacina bivalente e o baixo número de adesão de pessoas vacinadas, mesmo sabendo que a Covid ainda está levando à hospitalização de uma parte de contaminados. Entretanto, a mídia está mais focada nas viagens do mandatário à Europa e se esquece de situações de ordem da Saúde Pública.

Não seria por este fato (do distanciamento midiático diante da existência da Covid) mas este nababesco caso de um esquadrão de reportagem acompanhar o presidente em suas incursões, mundo afora, deixando o país com pouco conhecimento das notícias básicas necessárias, é muito cruel. Em especial quando estamos sendo tomados pelo Covid, que avança silencioso, pela dengue que está levando municípios ao desespero e a síndrome “mão-pé-boca” que está apavorando pais no interior de São Paulo.

Outra questão que preocupa é a vertiginosa e descontrolada inflação, que faz com que nossos alimentos se tornem objetos raros diante do preço que apresentam: tudo está custando os olhos da cara; muito debate entre equipe econômica e presidência, muita especulação e pouco resultado ou retomada dos preços. Apenas o salário não sofre alteração nem se cogita um aumento substancial. Muito triste tudo isso, se não fosse aflitivo.

Aflitivo porque alimentação é problema de toda a nação, mas é em especial do trabalhador que recebe apenas o salário mínimo e depende dele para quitar todas suas despesas mensais, que pagam impostos altíssimos e colocam no prato da família aquilo que for possível. Triste, sim. Muitíssimo triste, apesar de haver quem ache que estamos bem.

Percebo, a cada dia, que enxergar problemas ou situações inusitadas é algo que depende de nosso humor e de nosso ponto de vista, em especial porque cada um é dotado de um aspecto de entendimento do contexto e, de certo modo, tal noção da realidade é mutável, de espectador para espectador: aqui entram algumas valências que traduzem criação, contexto de residência, formação, participação social, enfim, todos os limites do arcabouço intelecto-afetivo da pessoa. Isto me faz ver algo de uma forma muito positiva e ao meu colega aparenta um desastre.

Assim está o ponto de vista de nossos colegas, parceiros e vizinhos: cada um observando do seu ponto de vista, de seu olhar macro e micro social. As imersões são sempre partindo do referencial individual dos brasileiros, que se estranham, ainda, com os resultados de uma eleição estranha e mal engendrada. Não atingimos o “nirvana” da democracia, ainda; estamos distantes dele.

E tal observação vale para qualquer setor de atividades a que estejamos atrelados: educacional, segurança, justiça, saúde, construção civil, informação, biomedicina, enfim. A fragmentação de perspectiva é tão ímpar quanto ímpar se encontra nossos olhares e objetivos, diante de nossas atuações, formações e perspectivas; não entendo que estejamos pensando num único Brasil, mas num Brasil de remendos que ainda levará tempo a ser cerzido e único.

Antes, entre os anos 1960 e 1980, estudávamos os dois Brasis, mas na evolução da informatização e diante da cibercultura temos um conjunto de perfis que pululam diante de nossos olhos e dificultam-nos perceber a unidade, talvez pela grandeza de cada microuniverso, talvez pela diferença de perspectiva, mas não somos os mesmos tão pouco percebemos um espaço unificado. Isso torna o olhar patriótico mais confuso e mais difícil de se alicerçar, mas é o que temos para compor o quadro de nacionalidade.

Quando percebemos que os interesses de nossa jovem geração se distanciam de tudo aquilo que tínhamos como certo, não há motivos para indignação. São outros tempos, com outras necessidades, num outro contexto, com outra formação e outro objetivo; isto sim é fato! Novos tempos pedem novos olhares que sempre estamos aptos para tê-los; justamente porque não fomos educados para tanto. Talvez por isso, nem os tão proclamados deslizes de geração são mais os mesmos, visto o fato de que as gerações já não são iguais as que tivemos décadas antes. Um novo tempo, um novo povo, um novo Mundo. Confuso? Não, apenas a Vida sendo como a Vida é.

Nesta situação eu me vejo perguntando: nossa versatilidade e descrédito diante das tragédias são natas ou damos um golpe na Vida e nos apresentamos assim? Por que não encaramos com seriedade e mantemos essa seriedade até o término das situações que nos são propostas, como os demais povos desenvolvidos o fazem? Por que tentamos driblar a Vida (e a Morte) mesmo sabendo que não daremos conta de pagar os tributos que nos serão cobrados?

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Temos atitudes hilárias e irônicas diante dos fatos mais sérios, sejam eles quais forem; conseguimos rir e fazer piada de situações inquestionáveis, mas não perdemos o trem da história: assumimos a rebeldia e seguimos em frente, como se nada pudesse nos deter. Vejo que este deve ser o motivo para não sermos tão bem sucedidos ou para perdermos tantos momentos de sucesso garantido, postergando a vitória para outros países.

Vamos pensar: o que era a China, diante do mundo, 15 anos atrás? E o que é a China hoje? Vejamos a Índia, dentro do cenário da informática e das redes de informações. E nós? Éramos o que somos. E somos o que continuaremos a ser. Não vou nem me estender na finalização da análise, deixo que você, meu caro parceiro, olhe para nós e verifique a mesmice em que estamos, por longos anos, com uma juventude totalmente instagramada e sem noção, apesar de universitários. O que teremos nos próximos 10 anos? E nos 20 próximos? Pensem, façam o sacrifício de pensar.(Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do Lepespe, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da Unesp. Mestre e Doutor pela Unicamp, livre docente em Psicologia do Esporte, pela Unesp, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology. Diretor técnico da Clínica de Psicologia da Faculdade de Psicologia Anhanguera, onde leciona na graduação.

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