Acabo de ler A Vida é Cruel, Ana Maria(Editora Record), diálogos imaginários do Padre Fábio de Melo com sua mãe, que faleceu em 2021, vítima da Covid-19. Descreve sua intimidade com ela: “Eu morei em você. Pode haver uma intimidade superior? Fui hóspede enquanto fui feito”. Ela que foi, segundo o filho, de “olhos abertos para tudo ver, coração de fora para tudo sentir”.
Com linguagem metafórica e poética, em diversos capítulos, intensa a colocação: “O seu firmamento nunca foi de organdi”, o que acontece na história de incontáveis mães, que sangram para garantir a sobrevivência dos filhos. O marido alcoolista, a filha que perdeu para o suicídio, o filho que esteve na prisão e tantas outras coisas fez dela uma mulher doída, mas sem perder o dom do acolhimento, do acreditar no recomeço. As faltas, “as negativas – segundo o Padre Fábio de Melo – abrem clareiras dentro de nós. E há duas formas de reagir a elas: tornando-me um poço de rancor ou tornando-me um grato desbravador”.
Ele relata em seus diálogos imaginários com Ana Maria: “Você nunca soube dos transtornos depressivos que eu enfrentei. Muitos poucos souberam. O desejo de morrer me assombrava constantemente. E ele me envergonhava. Sobreviver era bem mais do que resistir. Era preciso superar a compreensão promíscua que tinha de mim. Eu me enxergava muito pior do que realmente era. Eu só enxergava o copo vazio”. Cito esse trecho porque pode ser alento a tantas pessoas que se encontram em depressão e depressão é uma doença muito séria, porque não dá para assoprar, passar mercurocromo e colocar esparadrapo a fim de não ferir mais. No final do capítulo, de certa forma dá uma resposta ao “copo vazio”: “Perdoar a vida, reconhecer que ela não nos deve nada, que tudo aconteceu como poderia ser, é um fruto que só a elevação espiritual pode nos entregar”. A busca cristã de Ana Maria o beneficiou, como o entendimento de que o calvário é uma metáfora da vida, porque estamos sempre nele, ainda que não o percebamos.
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Menciona que “depois de ter resistido a tantos sofrimentos, tantas perdas, tantas infecções, edemas, inflamações, mutilações, traições, medos, fomes, asfixia, dores, quebraduras, rupturas, invasões, humilhações”, não resistiu à Covid-19.
O autor destaca: “É reconfortante acreditar que haverá uma eternidade que curará a solidão dos órfãos, que enxugará a lágrima da mãe que perdeu um filho, que permitirá o reencontro dos que se amam. Pergunta-se quando dura a dor do luto e responde com uma frase do escritor Mia Couto: “Morto amado nunca para de morrer”.(Foto: www.facebook.com/livrocor)
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE
É professora e cronista
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