Você já viveu a situação de estar com muita, mas muita vontade de fazer xixi, e no local não tem banheiro disponível? É desesperador, não? Imagine viver isso, cotidianamente. Os espaços públicos disponibilizam banheiros, mas nem todas as pessoas têm o acesso livre, a exemplo de pessoas transsexuais, travestis ou não binárias. O título da coluna é tema da campanha da Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA, maior rede de organização política de pessoas trans no Brasil. A mobilização, lançada em 2022, visa pressionar o STF(Supremo Tribunal Federal) para retomar o julgamento do “Recurso Extraordinário(RE) 845.779/SC”. Esta ação pretende indenizar uma mulher trans que, em 2008, foi retirada à força do banheiro feminino, em um shopping de Florianópolis, em Santa Catarina. Seguida pelos seguranças, a mulher ainda tentou entrar em algumas lojas e um supermercado, pedindo para usar o banheiro, mas todos negaram.
A violência culminou na perda de controle e essa mulher urinou nas próprias roupas, no corredor do shopping, em frente aos transeuntes. Ela teve retirados direitos fundamentais, tais como a honra e a dignidade da pessoa humana, além da discriminação direta. Este é um caso emblemático das consequências imediatas do impedimento do uso do banheiro público por uma pessoa trans.
A vítima entrou com pedido de indenização que, após vários anos, desdobrou-se no RE 845.779/SC, no STF em 2015. Os dois ministros que iniciaram a análise do pleito, Luiz Edson Fachin e Luiz Roberto Barroso, reconheceram a ocorrência de dano moral, a partir dos elementos da própria Constituição Federal brasileira, condenando o shopping a indenizar a vítima no valor de R$ 50 mil, corrigidos desde a data do evento. Após o ministro Luiz Fux pedir vistas ao processo, o recurso nunca mais voltou à pauta.
Com a pressão de ONGs e um abaixo assinado que reuniu mais de 137 ml assinaturas, o STF retomou o julgamento. Como este RE obteve status de “repercussão geral”, a decisão estabeleceria um padrão a ser adotado por juízes de todo o país em casos semelhantes. Entretando, a maioria da corte votou contra o seguimento deste recurso, não por falta de mérito da causa, mas por discordâncias no processo legal. O tema vai voltar, pois os ministros terão que julgar, em breve, outros processos de mesmo objeto: o direito das pessoas trans utilizarem banheiros públicos de acordo com sua identidade de gênero, sempre autorreferida.
E não se trata apenas de pessoas trans adultas. Estamos falando de banheiros para pessoas trans de todas as idades, pois temos crianças e adolescentes transgênero no sistema escolar. Como passam muitas horas do dia na escola, o banheiro é vital para a saúde, física e mental.
Conheci um adolescente trans que empregava uma estratégia para não ter que usar o banheiro na escola. Não bebia líquidos com o objetivo de não ter vontade. Só ao chegar em casa vinha o alívio. Certa vez, voltando da escola de ônibus, sentiu que não ia aguentar. Desceu dois pontos antes, urinou nas calças andando, na esperança de secar durante o resto da caminhada. Muito cruel.
Vale destacar que as violações dos direitos de uma criança ou adolescente trans, que só deseja fazer suas necessidades fisiológicas no banheiro da escola, causam traumas e agravos em saúde mental, com efeitos negativos por toda a vida. Prevenir e evitar quaisquer tipos de preconceito e discriminação, é nosso dever e obrigação.
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O filósofo e escritor Paul Preciado observa que os banheiros públicos operam, silenciosamente, a mais discreta e efetiva “tecnologia de gênero”. São espaços classificatórios entre o masculino e o feminino, ao mesmo tempo que são excludentes para todas as pessoas que de alguma forma são dissonantes ao padrão. É o que ocorre com as pessoas trans ou não-binárias.
Na antiguidade, os banheiros públicos eram espaços de socialização, sem divisão de gênero. Começamos a separá-los na Idade Média, por forças morais do cristianismo. Com o crescimento populacional e urbano, a partir do século XVIII, a arquitetura dos banheiros públicos foi dividida entre “masculino” e “feminino”. Com isso, tornaram-se um espaço de confirmação ao cumprimento do padrão cis-hetero-normativo, perdendo-se da sua função original: coletar excrementos resultantes de necessidades fisiológicas, a saber, urina e fezes. Banheiro serve para isso, lembra?(Foto: shopgartes.com)
MARCELO LIMÃO
Sociólogo, psicólogo clínico, especialista em “Adolescência” (Unifesp) e “Saúde mental no trabalho” (IPq-USP). Colaborador no “Espaço Transcender – Programa de Atenção à Infância, Adolescência e Diversidade de Gênero”, da Faculdade de Medicina da USP. Instagram: @marcelo.limao/Whatsapp: (11) 99996-7042
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