LETÍCIA: Preta, jundiaiense e pioneira na narração esportiva

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A jornalista Letícia Ferreira de Pinho, de 25 anos, ‘invadiu’ o clube do bolinha da narração esportiva e está fazendo história: É uma das pioneiras na profissão por ser preta. Letícia é de Jundiaí. Na infância gostava de jogar futebol mas tinha vergonha. Quando passou a assistir aos jogos do time feminino do Paulista Futebol Clube percebeu que era apaixonada por esportes. Fez faculdade de Jornalismo. Na Rádio Unesp Virtual onde passou a fazer locuções esportivas. Não parou mais, mesmo enfrentando a desconfiança de alguns ouvintes. Confira a entrevista com Letícia:

Onde morou em Jundiaí?

Quando nasci, morei no centro e depois na Vila Rio Branco. Aos quatro anos, fomos para o Fazenda Grande, próximo ao Eloy Chaves. Fiquei lá até os 18 anos. Meus pais ainda moram em Jundiaí. Acabei me mudando para Bauru para fazer a faculdade de Jornalismo.

Onde estudou em Jundiaí, Letícia?

Estudei na EMEB Irmã Úrsula Gherello (Caic). Fui bolsista no Recanto da Serra e na The Joy School e fiz o ensino médio na ETEC Benedito Storani.

Tem parentes aqui? Vem sempre à cidade visitá-los?

Além dos meus país, toda a minha família paterna mora em Jundiaí. Parte da minha família materna mora em Itupeva. Estou sempre na cidade.

Sente saudade de Jundiaí? Do que, especificamente?

Muito! Sinto falta dos lugares que eu frequentava na adolescência, do ar menos poluído (risos) e de estar mais perto da família. Acho que é uma cidade com qualidade de vida excelente e, querendo ou não, foi o lugar onde nasci, amo e admiro. 

Por que mudou para Carapicuíba, Letícia?

Morei em Bauru durante sete anos, de 2017 a fevereiro de 2024. Vim para Carapicuíba porque é a cidade do meu noivo e para ficar mais próxima de São Paulo, por conta das oportunidades de trabalho.

Você, na infância, gostava de jogar futebol. É verdade que tinha vergonha de contar isto para seus pais? Por quê?

Sim, é verdade. Às vezes, no intervalo da escola, eu era a única menina jogando. Tinham outras também, mas não éramos muitas. O futebol ainda era muito visto como “coisa de menino” – acredito que até hoje carregue um pouco desse estigma, então de certa forma o medo era de não cumprir expectativas sobre o que se esperava de uma menina, de não “dar orgulho” para os meus pais. No fim, acabei aceitando que gostava mesmo, eles ficaram sabendo e chegaram até a comprar chuteiras para eu ir para a escola. 

Letícia, você jogou na equipe feminina de futebol do Paulista?

Na verdade não joguei, apenas via de longe as meninas que saíam do treino. De certa forma, aquilo me incentivou a gostar ainda mais de esportes, porque entendi que mulheres jogarem futebol não era vergonha. 

Quando criança, sonhava em ser narradora esportiva?

Nunca pensei. Minha mãe diz que desde pequena eu queria ser jornalista, mas narradora, especificamente, não. Acho que eu queria apresentar o Jornal Nacional(risos).

Como a narração esportiva entrou na sua vida? Foi planejado?

Na faculdade, produzi e fiz locução de programas para a Rádio Unesp Virtual na editoria de esportes, porque era algo que eu gostava muito. Como eu engravidei durante a faculdade, minha entrada no mercado de trabalho foi pelo marketing, que era o que oferecia mais vagas para estudantes de jornalismo, ainda mais na pandemia. Em 2022, o Sesc Bauru ofereceu uma oficina gratuita de narração esportiva e, para recuperar esse gostinho pelo jornalismo esportivo, me inscrevi. O professor da oficina, Anderson Cheni, que é locutor do Allianz Parque, me disse que eu tinha potencial para narração e sugeriu que eu continuasse e me aperfeiçoasse. O pessoal do Sesc também gostou e passei a ser chamada para os meus primeiros trabalhos como narradora.  

Foi fácil conseguir emprego na área, Letícia? Onde já trabalhou como narradora?

Meus trabalhos como narradora eram todos freelancer, a princípio. Fui fazendo eventos nos Sescs (no interior, em São Paulo e até no Sesc Jundiaí) e acabei conseguindo alguns jogos em uma produtora de transmissão do Paulistão Feminino também. Agora em agosto, entro definitivamente na profissão de narradora no Canal GOAT.

Você é a primeira mulher negra narradora de esportes?

Não sou a primeira, conheço outras mulheres negras que narram há mais tempo que eu. Na verdade, só duas, mas com certeza existem outras por aí que eu não conheço – em campeonatos amadores -, por exemplo. Então, ainda que não seja a primeira, sou uma das primeiras, porque não somos muitas.

Sente o peso da responsabilidade ou nem pensa nisto?

Mesmo não sendo a primeira, sinto sim. Entendo como a representatividade pode inspirar outras meninas e mulheres negras a seguirem sonhos que antes não pareciam possíveis. Antes nem tínhamos mulheres narrando, hoje temos muitas. Ainda bem…

Já sofreu preconceito?

Durante a vida, sim. Apelidos, piadinhas e tudo mais. Ainda mais numa época em que o padrão de beleza era muito claro, onde as mulheres mais bonitas eram todas brancas, loiras, de cabelo liso… Alisei meu cabelo durante muito tempo, mas depois fui entendendo a importância e a força de quem sou, me aceitei e me fortaleci. Nas transmissões, pensando em raça, não sofri preconceito porque geralmente eu não apareço. Nem todos sabem que sou negra. 

O narrador Sílvio Luiz, falecido recentemente, não gostava de mulheres narrando futebol. Já se deparou com ouvintes ou colegas de trabalho que têm o mesmo sentimento?

O tempo todo. Colegas de trabalho nunca, mas ouvintes é muito frequente.  Dou o “oi” da transmissão e já começam a chegar mensagens de “vixe, é mulher narrando” ou “esse jogo vou assistir no mudo”. Há menos de 50 anos, mulheres não podiam nem fazer determinados tipos de esportes. A Olimpíada deste ano foi a primeira com igualdade no número de atletas homens e mulheres, agora que as narradoras estão começando a ter mais espaço também. Mas se nós não persistirmos, como vamos avançaremos? Todas as vezes que as mulheres fazem algo na contramão do que se espera delas, gera incômodo. Na narração, não seria diferente. Mas não vamos regredir. É claro que causa estranheza, estamos vindo de quase um século (considerando o início da narração na década de 1930) com essa função destinada apenas a homens. Nunca vamos conseguir mudar se o espaço não for oferecido para as mulheres também. E a tendência, claro, é que outras meninas e mulheres sintam que também podem ocupar esses espaços com a representatividade das narradoras que temos hoje. 

Existe diferença entre a narração de homens e mulheres?

Claro que sim, são timbres diferentes. Mas não acho que a diferença seja no gênero, mas sim na pessoa. Cada narrador homem narra de um jeito, tem uma voz, um bordão, uma forma de conduzir o jogo. O mesmo acontece com as mulheres. Cada uma tem seu jeito de narrar. Mas no fim, todos se preparam de forma parecida.

Você tem algum ídolo na narração? 

Além das mulheres que têm destaque hoje – Luciana Mariano, Renata Silveira, Natália Lara, Milla Garcia -, sou muito fã do Rômulo Mendonça. Meu noivo ama NBA e, em 2019, durante a gravidez do meu filho, assisti aos playoffs com a narração do Rômulo. Fiquei encantada. Tem quem não goste, criticam por ele ser muito brincalhão, mas eu acho o máximo, é isso que faz ele único.

Quais seus planos para o futuro?

Acabei de dar um passo em direção a esse sonho que eu cultivo de ser narradora, agora no Canal GOAT. Mas tenho consciência de que ainda estou começando, tenho muito a evoluir. Espero que um dia eu possa ser conhecida como um ícone no que faço assim como tantos narradores e narradoras que são minhas referências. Se eu conseguir mostrar pra uma menina que ela pode, sim, ser uma narradora sem se importar com o que outras pessoas pensam, já vou ter cumprido com o que eu acredito.

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