Entre CLIQUES e vazios: Os desconhecidos famosos

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Vivemos em tempos estranhos, onde as pessoas não são mais apenas o que são, mas também o que mostram ser. Nas redes sociais, a linha entre a realidade e a encenação se dissolve, criando um universo paralelo onde os aplausos vêm em forma de curtidas, os abraços se traduzem em emojis e a validação é medida em números. É nesse palco que habitam os “instagramáveis”: aqueles que, com 20 mil seguidores, parecem ter uma vida invejável, mas que, na solidão do dia a dia, não conseguem contar com uma alma sequer para um café. Os desconhecidos famosos navegam entre os cliques do mundo virtual e o duro vazio da realidade.

A ironia é quase poética. Nos perfis, essas pessoas brilham, iluminadas por filtros perfeitos, sorrisos calculados e poses estrategicamente planejadas. É tudo impecável. A viagem dos sonhos, o prato gourmet, o pôr do sol visto do ângulo certo. Mas fora dali quem são? São meros desconhecidos. Não têm vínculos genuínos, memórias compartilhadas ou ombros para chorar.

Têm mais seguidores do que amigos, mais selfies do que conversas significativas. O paradoxo é gritante: enquanto exibem suas vidas “perfeitas”, criam muros em vez de pontes. A busca incessante por aprovação virtual os afasta do essencial – o olho no olho, o toque, a empatia.

As redes sociais, que poderiam ser uma ponte para conexões verdadeiras, frequentemente se tornam vitrines de egos inflados e vitrines vazias. E nessa falácia, nasce o grande dilema: de que serve ser famoso para estranhos e ignorado por quem realmente importa?

Essas vidas cuidadosamente “instagramadas” revelam outra faceta preocupante: a dependência da validação externa. Um comentário elogioso pode iluminar um dia, enquanto a ausência de curtidas é motivo de angústia. Isso gera uma ansiedade constante, uma necessidade incessante de alimentar a máquina da relevância digital.

Mas até quando é possível sustentar essa performance? Até quando a vida real, com suas dores, desafios e imperfeições, será escondida atrás de filtros? Imagine um cenário extremo: se a internet desaparecesse amanhã, quantos desses desconhecidos famosos teriam uma rede real de apoio? Quem os visitaria em um momento de crise ou celebraria suas conquistas longe das câmeras? É uma reflexão dura, mas necessária. Para muitos, o número de seguidores é inversamente proporcional à qualidade de suas relações.

Essa busca por validação digital também afeta a própria percepção de quem somos. Quando nossa identidade está tão atrelada a uma persona online, corremos o risco de perder de vista o que realmente nos define. Será que ainda sabemos quem somos sem a lente do celular? Ou nos tornamos reféns de uma versão editada de nós mesmos, mais preocupados em parecer do que em ser?

 Os “instagramáveis” têm tudo para serem admirados, mas nada para serem lembrados. Suas histórias são esquecíveis, seus feitos irrelevantes, suas conexões rasas. Se um dia caírem do palco digital – seja por cansaço, escândalo ou simplesmente pelo declínio natural do algoritmo –, o que restará? É doloroso pensar que, em um mundo tão interconectado, muitos se sentem mais isolados do que nunca.

O problema não está na ferramenta, mas no uso que dela fazemos. É possível postar sem perder a essência, dividir sem se esconder atrás da tela. A tecnologia em si não é vilã; ela é neutra, moldada pelas escolhas de quem a utiliza. Mas a escolha de viver para a aparência é sedutora – e cruel. Nessa corrida por relevância virtual, muitos se tornam prisioneiros de uma imagem que nem eles reconhecem.

E assim, em meio a milhares de seguidores, seguem sozinhos. Além disso, o impacto desse estilo de vida vai além do individual. Há uma geração crescendo com a falsa ideia de que valor pessoal está diretamente ligado à popularidade online. Jovens que baseiam sua autoestima em métricas digitais, como likes e compartilhamentos, sem entender que a vida real é construída em diálogos sinceros, desafios compartilhados e momentos que nem sempre são dignos de uma postagem.

Talvez a reflexão seja simples: de que vale colecionar likes e perder o amor? De que vale ser admirado por rostos desconhecidos e esquecido por aqueles que conhecem nossas falhas? Afinal, um mundo onde somos “amigos” de todos e companheiros de ninguém é, na verdade, um mundo de solidão mascarada.

No final, a vida real cobra sua conta. E quando as luzes da tela se apagam, é o silêncio que revela a verdade. Quantos dos seus “seguidores” estarão lá para ouvir? Quantos farão parte da sua história além das fotos e vídeos? Entre cliques e vazios, a escolha é nossa: construir uma vida cheia de filtros ou uma história rica em verdade.

A tragédia dos “instagramáveis” não está apenas na solidão que carregam, mas na ilusão que propagam. Eles vendem ao mundo uma fantasia de felicidade e perfeição, deixando outros acreditarem que suas vidas são menos significativas. O ciclo de comparação é implacável: enquanto mostram viagens que nunca terminaram de pagar ou relacionamentos que mal sustentam fora das fotos, fazem com que aqueles que os assistem sintam que estão sempre aquém.

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É uma cadeia de insatisfação alimentada pela estética, onde todos fingem ser felizes, mas poucos verdadeiramente são. Além disso, o vazio dos “desconhecidos famosos” é mais profundo do que aparenta, porque reflete uma sociedade que trocou profundidade por performance. A autenticidade, antes uma qualidade admirada, agora é sacrificada no altar da aceitação digital.

Já não se trata de ser, mas de parecer; não importa se há dores não ditas, desde que o feed pareça brilhante. Nessa desconexão entre o real e o virtual, perdemos a habilidade de sermos vulneráveis, humanos e verdadeiros, enterrando o que nos torna únicos sob as camadas de filtros e legendas cuidadosamente curadas.(Ilustração: Tom Ward/BOL)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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