Instituições também podem ser LGBTQIAfóbicas

instituições

As discriminações relacionadas a gênero e sexualidade, assim como o racismo, estão presentes nas relações interpessoais, mas são também estruturais e institucionais. Instituições fundamentais da sociedade – como a família, a escola, as organizações e o Estado – reproduzem preconceitos ligados à identidade de gênero e à orientação sexual e, por isso, também podem ser LGBTQIAfóbicas.

Discursos pessoais e posicionamentos institucionais que negam a existência de pessoas LGBTQIA+ ou seus direitos ignoram registros científicos que demonstram que, entre os diferentes povos originários do Brasil, são reconhecidas identidades equivalentes a um terceiro gênero nas etnias Kadiwéu, Tapirapé, Kaingang, Kraô e Xavante. Além de práticas homossexuais entre indivíduos das etnias Mehináku, Nambikwara, Yanomami, Tapirapé e Kraô.

A imposição da cultura colonizadora europeia implicou apagamento de saberes dos povos originários e das inúmeras etnias provindas do continente africano, mesmo com a população negra escravizada tendo sido, por séculos, maioria demográfica. Esse apagamento é o que a filósofa Sueli Carneiro denomina “epistemicídio” — o silenciamento sistemático dos conhecimentos de grupos subalternizados.

Ainda no período colonial, Xica Manicongo, hoje reconhecida como a primeira travesti brasileira não indígena, foi processada pela Inquisição Católica por insistir em usar um pano amarrado à frente do corpo, o que, na Angola e no Congo, a identificava como jimbandaa, um terceiro gênero.

Embora o Brasil seja, desde a primeira Constituição Federal republicana de 1891, um Estado laico, onde todas as religiões são permitidas e o direito à crença ou à não crença seja garantido, dogmas religiosos têm sido continuadamente usados para reforçar ideologias excludentes. Promove-se um modelo hegemônico que pressupõe, equivocadamente, que todas as pessoas são endosexo, cisgêneras e heterossexuais.

Esse modelo foi intensificado durante a ditadura militar. Sob o pretexto de defender “a moral e os bons costumes”, travestis foram sistematicamente presas ilegalmente e sujeitas a torturas e extorsões. Esteréotipos que associavam a homossexualidade e a transgeneridade à promiscuidade, à perversão e à subversão foram reforçados. E a LGBTQIAfobia, como afirma o professor e jurista Renan Quinalha, foi institucionalizada como política de Estado.

Assim como o sexismo e o racismo, a ideologia LGBTQIAfóbica foi incorporada aos modos de pensar, à linguagem e às diversas instituições que compõem a estrutura social.

Homens cisgêneros, heterossexuais e brancos que controlam essas instituições tomam sua identidade – pretensiosamente considerada como universal – como parâmetro para formular e aplicar normas que refletem seus valores e interesses, mantendo seus privilégios. É nesse contexto que surgem as discriminações indiretas.

CLIQUE AQUI E LEIA OUTROS ARTIGOS DE LUCIENE ANGÉLICA MENDES

Essa ideologia LGBTQIAfóbica é a explicação para a persistente resistência do Poder Legislativo, em todas as suas esferas, à discussão e aprovação de projetos de leis que protejam, garantam e promovam direitos de pessoas LGBTQIA+.

Quando a Câmara Municipal de Jundiaí, por exemplo, engaveta tais projetos de lei ou prioriza propostas contrárias aos direitos LGBTQIA+ ela pode estar reproduzindo LGBTQIAfobia institucional, o que, em nosso Estado Democrático de Direito, é inadmissível. Afinal, por essência, a Câmara Municipal deve ser um espaço igualitário e não discriminatório de voz e representação de toda a diversidade social local.(Foto: Gemini)

LUCIENE ANGÉLICA MENDES

É graduada pela Faculdade de Direito da USP, com especialização em Direito Homoafetivo e de Gênero pela UNISANTA. Procuradora de Justiça aposentada. Advogada. Integrante do Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público. Associada, voluntária, palestrante e conselheira na Associação Mães pela Diversidade.

VEJA TAMBÉM

PUBLICIDADE LEGAL É NO JUNDIAÍ AGORA

ACESSE O FACEBOOK DO JUNDIAÍ AGORA: NOTÍCIAS, DIVERSÃO E PROMOÇÕES