Liberdade de expressão NÃO É LICENÇA para discriminar

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A liberdade de expressão foi concebida na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, logo após a Revolução Francesa, como um direito civil e político destinado a proteger o indivíduo diante do Estado absolutista. Seu propósito era assegurar a livre comunicação das ideias e das opiniões pelos cidadãos, ainda que, como reconhece o próprio artigo 11º da declaração, fosse necessário observar certos limites para evitar abusos.

Curiosamente, dois anos depois, a feminista Olympe de Gouges reagiu à exclusão das mulheres do rol dos titulares de direitos naturais e publicou a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Em seu artigo X, ela, de forma similar à primeira, afirmava que “ninguém pode ser molestado por suas opiniões”. As ideias e propostas de Olympe, todavia, foram consideradas radicais demais para a época e a levaram à guilhotina – o que expôs, da forma mais cruel possível, os limites concretos da idealizada liberdade de expressão.

Na democracia constitucional brasileira, a liberdade de expressão, embora incluída no catálogo dos direitos fundamentais (art. 5º, IV e IX, da Constituição Federal), não é absoluta. Ela deve coexistir em harmonia com todos os demais direitos e princípios fundamentais, especialmente com o valor fundamental de nossa sociedade: o reconhecimento da dignidade de todas as pessoas. Isso implica que todas as pessoas merecem respeito, têm direito ao pleno desenvolvimento e devem ser protegidas contra qualquer forma de discriminação. O mesmo artigo constitucional, aliás, estabelece a responsabilidade de quem viola a intimidade, a honra, a imagem ou a vida privada de outras pessoas.

Manifestar ideias que ofendam ou discriminem alguém ou um determinado grupo, com base em religião, etnia, nacionalidade, raça, cor, descendência, gênero, identidade de gênero ou a orientação sexual, pode configurar crime contra a honra, racismo ou LGBTQIA+fobia. Quando tais manifestações ocorrem de forma sistemática, por meio de violência explícita ou simbólica, e com o objetivo de estigmatizar ou desumanizar grupos sociais, elas podem configurar discurso de ódio – uma grave ameaça aos valores democráticos de respeito à diversidade e à paz social.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de aplicação obrigatória no Brasil, reforça essa perspectiva ao prever sanções quando há desrespeito aos direitos e à reputação das pessoas ou quando houver risco à segurança nacional, à ordem pública ou à saúde e moral públicas.

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Portanto, a liberdade de expressão não autoriza a expressão e a propagação de ideias sexistas, racistas ou LGBTQIfóbicas, tampouco a incitação à prática de crimes, como reiteradamente tem afirmado o Supremo Tribunal Federal. Ela não foi concebida para legitimar discursos que possam escalar para atos de violência, nem para justificar abusos que potencialmente provoquem o caos social.

Por isso, ameaças, ofensas à honra, incitação ao crime, assédio, propaganda de subversão da ordem política e social ou manifestações de preconceitos baseados em raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, por serem atos ilícitos, não estão protegidos nem podem ser considerados como exercício legítimo da liberdade de expressão.(Foto: Giovanni Disegna/Ascom SJCDH)

LUCIENE ANGÉLICA MENDES

É graduada pela Faculdade de Direito da USP, com especialização em Direito Homoafetivo e de Gênero pela UNISANTA. Procuradora de Justiça aposentada. Advogada. Integrante do Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público. Associada, voluntária, palestrante e conselheira na Associação Mães pela Diversidade.

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