Manual de Direitos das Pessoas LGBTQIA+: Saiba como denunciar políticos homofóbicos

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A procuradora aposentada Luciene Angélica Mendes(foto), colaboradora do Jundiaí Agora, está lançando o livro ‘Manual de Direitos das Pessoas LGBTQIA+’. Mãe de dois jovens que fazem parte desta comunidade, ela percebeu que – apesar da profissão – desconhecia os diretos das minorias sexuais e de gênero. Luciene percebeu que faltava informações para quem atua no Direito. Mas, e quando o preconceito e discriminação partem de autoridades? Alguns políticos teimam em demonizar os LGBTQI+ para satisfazer suas bolhas eleitorais. Contudo, eles não estão acima da lei. O livro de Luciane mostra todos os caminhos para responsabilizá-los criminal, civil e administrativamente. Confira a entrevista com a autora:

Por que decidiu escrever este livro?

Minha jornada com este manual começou com uma constatação pessoal: apesar de ter sido Promotora e, em seguida, Procuradora de Justiça no Ministério Público de São Paulo por décadas, eu percebi minha própria ignorância sobre os direitos das pessoas LGBTQIA+ ao me descobrir mãe de uma jovem e um jovem desta comunidade. Essa urgência se intensificou após enfrentarmos um caso grave de homofobia na família, com consequências sérias. Senti necessidade de buscar conhecimento qualificado, principalmente depois que passei a atuar como voluntária na área jurídica da ONG Mães pela Diversidade, em 2019. Mas nesse trabalho voluntário constatei uma lacuna crítica: a falta de capacitação de profissionais do Direito para lidar com diversidade sexual e de gênero. A ideia do livro veio após minha pós-graduação lato sensu em Direito Homoafetivo e de Gênero. Percebi que ajudaria um número muito maior de pessoas se compartilhasse o conhecimento adquirido e um pouco da minha experiência, por isso o nome ‘Manual de Direitos das Pessoas LGBTQIA+’. Ele traz uma abordagem transversal e pragmática, abordando as mais diferentes áreas do Direito (Constitucional, Famílias, Penal, Trabalho, etc.), sempre com referências à legislação, doutrina e jurisprudência. É uma obra com o viés pessoal de uma mãe, aliada e uma Procuradora aposentada após 34 anos de serviço.

Quanto tempo levou?

Comecei os estudos e a escrita sobre o tema em abril de 2022, mas a intenção de transformar isso em um livro surgiu há exatamente dois anos, no final de 2023, com o incentivo de pessoas próximas, incluindo minha filha Ana Carolina. Encerrei a fase inicial de escrita do manual há cerca de três meses, quando celebrei meus 60 anos, mas a verdade é que continuo trabalhando nas atualizações cotidianas Essa é uma área que não para de evoluir.

Cita casos concretos?

Sim, eu cito muitos casos concretos, alguns relacionados a situações que presenciei ou nos quais atuei. Menciono, por exemplo, uma situação ocorrida em 2021, quando em todo o Estado de São Paulo o Poupatempo simplesmente passou a negar a inclusão do nome social de crianças e adolescentes na cédula de identidade. Explico como a Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Capital foi provocada e como isso resultou na publicação de uma portaria do IIRGD que regulamentou a questão, dispensando requisitos excessivos. Também trago casos da Mães pela Diversidade, como situações de bullying escolar que levaram a uma recomendação do Conselho Superior do MPSP para adoção de ações educativas, e a representação encaminhada à Procuradoria da República no Acre que levou o Banco Central a fiscalizar o desrespeito ao nome social em instituições bancárias. Outro tema abordado é a recente discussão judicial sobre a inconstitucionalidade da Resolução nº 2.427/2025 do Conselho Federal de Medicina, que proibiu as terapias de bloqueio puberal e hormonização cruzada para pré-adolescentes e adolescentes transgênero. O livro, inclusive, é dedicado à memória de Laura Vermont e de sua mãe, Zilda, que foi uma de nossas associadas. Comento a respeito do reiterado desrespeito ao nome social e outras violências institucionais praticadas contra Laura – jovem trans vítima de feminicídio -, por diferentes agentes do Estado durante a investigação policial e o subsequente processo judicial instaurado perante o Tribunal do Júri de São Paulo.

Quais as principais questões do dia a dia jurídico que aborda?

O manual traz uma abordagem transversal, que aborda os mais diversos temas de diferentes áreas do Direito, como nome social, retificação de nome e transição social por pessoas transgênero, aí incluída a tão absurda discussão sobre o direito de utilização do banheiro correspondente ao gênero. Trato de questões relacionadas à educação e à cultura, como o ensino de gênero nas escolas e o enfrentamento à discriminação lgbtqifóbica, a participação de crianças e adolescentes em Paradas de Orgulho LGBTQIA+, cotas para pessoas trans e linguagem neutra. Também abordo a diversidade sexual e de gênero nos esportes, particularmente no que diz respeito aos direitos de pessoas intersexo e transgênero. E ainda abordo o tema da obrigação de alistamento militar por essas pessoas. Na área do Direito das Famílias, o livro trata, claro, das uniões estáveis e do casamento homoafetivos e das diferentes modalidades de parentalidade por pessoas LGBTQIA+, como reprodução assistida e adoção. Há ainda alguns capítulos que especificamente explicam como pessoas que praticam atos de LGBTQIA+fobia podem ser responsabilizados nas esferas cível, trabalhista, penal e administrativa. Na área criminal também elenco os diferentes crimes que podem ser praticados por motivação lgbtqifóbica e trato do respeito aos direitos das pessoas LGBTQIA+ privadas da liberdade em razão de decisão judicial.

A senhora acredita que hoje delegados, promotores e juízes estão mais atentos aos problemas relacionados à diversidade sexual e de gênero?

Tenho certeza que sim. A diversidade sexual e de gênero é um fato da vida que se impõe e exige de todas as pessoas que atuam como operadoras de Direito que se atualizem e se capacitem para cumprir sua missão institucional.

E as vítimas? Sabem seus direitos?

Infelizmente a maior parte das vítimas desconhece seus direitos. A busca por informação é feita majoritariamente na internet, onde há um imenso tráfego de fake news e dados deturpados. Além disso, apesar de haver previsão na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional(LDB) para que temas de direitos humanos sejam tratados nas escolas, há uma demonização de qualquer assunto relacionado a gênero por setores ideológicos. Isso coloca professoras e professores sob ameaça. O silêncio resultante colabora para manter um estado de ignorância que só favorece a impunidade dos agressores. Mesmo nas faculdades de Direito, a disciplina de Direitos Humanos eventualmente é oferecida apenas na modalidade eletiva e a eventual abordagem transversal desses temas ainda deixa lacunas. Espero que esse livro contribua para a disseminação de informações acerca desses direitos.

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Como colaboradora do Jundiaí Agora, está acompanhando várias iniciativas preconceituosas e discriminatórias de alguns vereadores locais. O manual trata também da responsabilidade de autoridades e de como elas podem ser enquadradas juridicamente?

Sim, estou acompanhando e já abordei a questão da LGBTQIA+fobia institucional neste jornal. O manual trata da responsabilização criminal, civil e administrativa de qualquer pessoa, incluindo agentes e autoridades do Estado, por atos de LGBTQIA+fobia. Desenvolvi tópicos específicos sobre a responsabilidade funcional e disciplinar. Também trato dos limites da liberdade de expressão, citando o exemplo de vereadores de outra cidade que tiveram a imunidade parlamentar afastada e foram condenados criminalmente pela prática de LGBTQIA+fobia

Quais orientações a senhora dá para quem se sentir vítima de preconceito e discriminação por parte de políticos?

Incitação a preconceito e discriminação LGBTQIA+fóbicas e agressões (físicas, morais, psicológicas, sexuais, dentre outras) motivadas pelo ódio ou aversão a pessoas LGBTQIA são crimes torpes, que devem ser denunciados. Essas condutas também configuram atos civis ilícitos, gerando direito a indenização por danos materiais e morais sofridos pela vítima. Quando praticados por pessoas em cargos públicos ou políticos, podem gerar, também, responsabilização disciplinar. Recomendo, portanto, que essas agressões sejam comunicadas imediatamente à autoridade policial, ao Ministério Público e ao Disque 100, canal do Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania. Também devem ser denunciados à Secretaria de Estado da Justiça, para responsabilização administrativa na forma da Lei estadual nº 10.948/2010. E finalmente à Comissão de Ética do respectivo órgão, se for o caso.

Como acessar a obra?

O Manual de Direitos das Pessoas LGBTQIA+ está à venda no site da Editora Juspodivm, com entrega prevista a partir do dia 26 de novembro. O lançamento oficial será no dia 19 de janeiro de 2026, entre 18h e 21h, na Livraria Martins Fontes, na Av. Paulista, 509. Será uma alegria contar com a presença dos leitores e leitoras deste jornal que tem me proporcionado um espaço tão especial. Gostaria de finalizar agradecendo todas as pessoas que apoiaram esse sonho, especialmente meu marido, Frederico, que teve a árdua missão de revisar centenas de páginas de assuntos que não lhe são familiares, e o amigo e advogado, Professor Paulo Iotti, que me presenteou com generosa apresentação e substancioso prefácio. E, claro, a toda a equipe do Jundiaí Agora, pela oportunidade de divulgar esse trabalho feito com muito amor.

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