A formação da geração atual se dá em um ambiente paradoxal. Nunca houve tanto acesso à informação, tantos recursos tecnológicos e tantas propostas pedagógicas. Mesmo assim, observa-se uma latente fragilidade emocional e relacional entre as crianças e os adolescentes. A vida familiar tem sido comprimida pelas urgências do mundo adulto. Muitos pais, exaustos e pressionados, adotam soluções rápidas para desafios que exigem tempo, paciência e presença. As telas, oferecidas aos filhos como substituto de companhia, funciona como uma espécie de babá digital que entretém, cala e, ao mesmo tempo, molda silenciosamente postura, valores e desejos. Nesse contexto, a educação é tratada como serviço terceirizado, e não como processo compartilhado. A ideia de que o pagamento das mensalidades garante direitos irrestritos transforma a escola em prestadora de um pacote ilusório de garantias.
Cada vez mais, famílias exigem que professores assumam funções que extrapolam sua formação, esperando que corrijam, orientem, eduquem em valores, disciplinem e deem afeto quando necessário. A comunidade escolar, sobrecarregada, tenta suprir a lacuna deixada pela ausência de envolvimento familiar. Esse desequilíbrio corrói a parceria educativa e alimenta narrativas distorcidas de culpa mútua.
Somado a isso, há uma proteção desmedida que mascara defeitos e impede o amadurecimento. Muitos pais entram em cena apenas quando os filhos erram, não para ajudar a aprender com a falha, mas para justificar, defender ou responsabilizar terceiros. Tal dinâmica dificulta a construção da autonomia responsável, já que aprender a responder pelos próprios atos é um passo indispensável para a vida em sociedade. Cresce, assim, uma geração que conhece direitos com precisão, mas desconhece o significado dos deveres e das consequências de seus comportamentos.
Outro fenômeno inquietante é a ascensão da solidão acompanhada. As crianças vivem conectadas constantemente, cercadas de estímulos ininterruptos, mas carecem de vínculos significativos. Conversas profundas são substituídas por mensagens rápidas. O tempo compartilhado em família se dilui em convivência paralela, com cada um imerso em sua própria tela. A casa deixa de ser espaço de encontro para se tornar um conjunto de ilhas tecnológicas. A sensação de pertencimento, cultivo fundamental da identidade, enfraquece diante da lógica comparativa e imediatista das redes.
O que se apresenta não é um apelo nostálgico a modelos rígidos do passado. Trata-se de um alerta para a urgência de reconfigurar prioridades e práticas no presente. A formação humana exige contato, convivência, desaceleração e diálogo, pois são estes os elementos que estruturam a empatia, a tolerância à frustração e a capacidade de resolução de conflitos. O desenvolvimento saudável não nasce do consumo, da blindagem nem do automatismo digital. Ele se nutre de relações que cuidam, corrigem e acolhem, mesmo diante das dificuldades e dos desencontros.
Nenhum dispositivo será capaz de substituir o papel simbólico e real dos cuidadores. A geração atual precisa de vínculos que lhe ofereçam sustentação para enfrentar um mundo cada vez mais volátil. A educação, em sua essência, é processo artesanal e contínuo, realizado na escuta e no exemplo. Cada gesto de presença tem força para reverter o distanciamento que se instalou. Ainda há tempo para reconectar lares e desligar excessos. A escolha é diária, exige compromisso e transforma o futuro que desejamos entregar às próximas gerações.
A configuração familiar contemporânea tem produzido uma geração que convive com abundância de recursos digitais, mas escassez de vínculos presenciais. A rotina dos pais se encontra atravessada por pressões laborais, cobranças financeiras e exigências sociais que drenam energia e tempo de convivência com os filhos. Isso resulta em uma prática cotidiana: a oferta de celulares e tablets como mediadores da paz doméstica.
O aparelho se torna uma resposta imediata para a inquietação infantil, um substituto do brincar compartilhado e do diálogo paciente. O problema é que a tecnologia, quando assumida como babá e referência central, educa sozinha. Ela dita comportamentos, orienta desejos e estabelece padrões de interação que nem sempre promovem empatia, reflexão ou autocontrole. Assim se molda uma geração hiperestimulada, porém pouco preparada para lidar com o silêncio interno, com a frustração e com o tempo que não é instantâneo.
Esse distanciamento se agrava quando a escola, instituição que deveria compartilhar com a família o processo formativo, passa a ser tratada como mera prestadora de serviços. Muitos pais sustentam a crença de que o pagamento das mensalidades é suficiente para garantir aos filhos direitos ilimitados, delegando à equipe pedagógica a responsabilidade de ensinar valores, corrigir desvios comportamentais e suprir afetos. Essa lógica de terceirização educativa fragiliza a parceria essencial entre escola e família.
Ao cobrar excelência sem participação, cria-se um abismo entre expectativa e envolvimento. Professores, sobrecarregados por atribuições que ultrapassam sua formação, tornam-se alvo de críticas rápidas e defesas emocionais dos familiares, que se mostram presentes apenas para exigir resultados acadêmicos ou justificar falhas dos filhos. A educação, assim, perde seu caráter coletivo e se converte em campo de disputa de culpas.
Outro aspecto crítico reside na cultura de blindagem comportamental que se disseminou nas relações familiares. Em vez de orientar e responsabilizar, muitos pais procuram proteger seus filhos das consequências de seus atos, convertendo cada erro em injustiça externa e cada regra em opressão. Isso gera crianças e adolescentes que dominam o vocabulário dos direitos, mas que desconhecem os fundamentos dos deveres.
O desenvolvimento moral exige experiências reais de responsabilidade, negociação e superação de frustrações, mas a proteção excessiva elimina essas oportunidades. O resultado é a formação de sujeitos com dificuldade de reconhecer limites, de lidar com a discordância e de compreender o impacto de suas escolhas no coletivo. Cria-se uma autonomia falsa, sustentada pela defesa constante dos responsáveis, não pela construção de caráter.
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Por fim, emerge um fenômeno paradoxal: a solidão em meio à conexão plena. Os lares se transformam em ambientes de convivência paralela, onde cada indivíduo permanece isolado em sua própria tela, mesmo quando fisicamente próximo. Conversas profundas dão lugar a interações rápidas, o afeto perde espaço para notificações e o tempo compartilhado se dilui em distrações contínuas.
Esse cenário compromete o senso de pertencimento e o desenvolvimento socioemocional, pois a criança aprende a se relacionar com o mundo por meio de filtros algorítmicos, não por experiências humanas plenas. Diante desse quadro, o desafio contemporâneo não é rejeitar a tecnologia, mas recolocar a presença no centro da formação. Educar demanda tempo, escuta, exemplo e firmeza. Nenhum aplicativo é capaz de ensinar o valor da palavra empenhada, do pedido de desculpas ou da paciência diante das adversidades. Reconectar lares significa resgatar o vínculo como instrumento maior de educação, antes que a distância silenciosa se torne irreversível.(Foto: Kampus Production/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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