O texto de Herdi:
“Pelo acordo entre concessionários e o Estado, investimentos próprios realizados na área cedida poderiam ser descontados em parcelas que representavam entre 60% e 90% do valor de aluguel, mas sempre dentro do prazo dos contratos, definidos entre 15 e 25 anos, em média. Com isso, em vários contratos, parte do custo de melhorias realizadas nas áreas acabou absorvida pelos concessionários, o que não foi o caso do sobrinho do ex-governador.
O primeiro contrato de concessão a Othon foi assinado em 2001, durante o governo Alckmin (2001-2006), e resultou na destinação de uma área de 2.100 metros quadrados do aeroporto de Jundiaí para instalação de um hangar. Em 2007, já na gestão do aliado tucano José Serra (2007-2010), Othon informou ao governo ter realizado um investimento de R$ 1,2 milhão no terreno. Com isso, em 2010 o prazo para amortecimento foi estendido até 2062.
O mesmo ocorreu em relação a um segundo contrato de concessão, assinado em 2008 para uso de mais uma área de 3.000 metros quadrados. Para justificar investimentos de R$ 2,6 milhões, em 2010 o prazo de contrato foi ampliado para 65 anos, o mais extenso já oferecido pelo Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (Daesp). Se estiver vivo até o final do contrato, Othon terá 108 anos de idade. Apesar de receber investimento de R$ 112 milhões, o prazo de contrato de um hangar da Latam no mesmo aeroporto, por exemplo, foi mantido até 2022, sem que gastos totais sejam reembolsados.
A concessão a Othon e a avaliação de investimentos foram realizados sob a gestão de Flávio Sganzela como superintendente do Daesp, no biênio 2007/2008. Em depoimento à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social do Ministério Público paulista na última sexta-feira, ele disse ter conhecido na época Othon Ribeiro, “um rapaz novo, de aproximadamente 30 anos”, apresentado a ele “como o sobrinho de Geraldo Alckmin”. Ele disse “não se recordar” de ter havido alguma “irregularidade para favorecê-lo”. Perguntado se era comum a extensão de prazos de concessão por até 65 anos, Sganzela disse que “nunca soube de prática semelhante” e que “trata-se de situação excepcional, desconhecendo o motivos para que assim se tenha dado”.
Responsável pela concessão dos prazos recordes, em 2010, seu sucessor no Daesp, o engenheiro Sérgio Augusto de Arruda Camargo, negou em depoimento ao MP-SP nesta segunda-feira ter conhecido Othon. Disse também não se lembrar da autorização de “prazo para amortização tão longo” como o dele, “pois eram muitos contratos”. Mas garantiu que foram todos realizados “com base na legislação e normatização vigentes”.
Em seu depoimento, Camargo citou artigo do Código Brasileiro de Aeronáutica, que prevê que “o termo de utilização para a construção de benfeitorias permanentes deverá ter prazo que permita a amortização do capital empregado”. Mas não mencionou a resolução 113/2009 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que limitou o direito do governo estadual de negociar “o prazo de outorga para explorar a infraestrutura aeroportuária” a um “máximo de 25 anos”.
“O que diz o Código é lindo, maravilhoso. Mas a maioria dos contratos se pautou pela resolução da Anac. Ao longo de 25 anos, só amortizei 40% do que investi. A regra para ele não serve para todos”, diz Eduardo Carmello, concessionário de área no aeroporto dos Amarais, em Campinas (SP), que briga para ter as mesmas condições do sobrinho do ex-governador.
Os dois ex-superintendentes que prestaram depoimento ao MP-SP foram indicados aos cargos por Mauro Arce, que desde os anos 90 ocupa cargos estratégicos em gestões tucanas em São Paulo. Sob Alckmin, ele foi secretário de Saneamento, de Transportes e presidente da Companhia Energética de São Paulo (Cesp).
Por meio de nota, o Daesp informou que “as condições oferecidas aos concessionários seguiram os parâmetros determinados pela legislação em vigor na época de cada concessão”. Disse que mantém atualmente concessões que “vão de 26 a 65 anos, dependendo das solicitações dos concessionários e análise do órgão técnico competente”. O órgão não quis responder se o fato de Othon ser sobrinho de Alckmin foi determinante para que ele obtivesse o maior prazo entre os concessionários.
O ex-governador também não respondeu à mesma pergunta. Por meio da sua assessoria, informou que “em fevereiro Alckmin não era governador e não teve qualquer relação com o processo mencionado”. Alckmin ocupou o Palácio dos Bandeirantes entre 2001 e 2006 e, depois, entre 2011 e 2018. Ainda segundo a assessoria do tucano, “a dez dias das eleições, ilações desse tipo têm o propósito de deturpar a realidade e impor mentiras à população”. Othon Ribeiro não quis se manifestar.
Desde o ano passado, os cinco aeroportos que eram administrados pelo governo de São Paulo – inclusive os de Jundiaí e Campinas – foram cedidos à iniciativa privada. O processo licitatório foi vencido pelo consórcio Voa SP, que tem o mesmo Othon como presidente. Em março deste ano, reportagem da revista ÉPOCA mostrou indícios de beneficiamento ao sobrinho do ex-governador . Os dois episódios – tanto a atuação do consórcio quanto os prazos de contratos anteriores que envolvem o empresário – são investigados pelo MP Paulista.
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