Maria Fernanda, 25 anos, não é de Jundiaí. Nasceu em Belém do Pará. Veio para a Terra da Uva em busca de oportunidades. Aqui, a trans faz programas com o pseudônimo de Angel Jolie(Instagram: @angel_jollye). Personalidade forte, não tem meias palavras. Diz que faz sexo por dinheiro e que a recíproca é verdadeira no que diz respeito à sociedade. “Ela vê a gente como lixo. Eu vejo a sociedade como lixo também”. Sonho? Fazer cursos na área da saúde e deixar esta vida.
Qual a sua formação?
Tenho o ensino médio completo. Conclui aqui em Jundiaí. Não tenho outra atividade. Só faço programas mesmo…
Quando descobriu que era trans?
Já nasci assim. O mal das pessoas é que elas acreditam que a pessoa nasce de um jeito e depois se transforma. O povo não entende. É uma coisa da natureza…
Por que decidiu fazer programas
Não podia contar com o apoio da minha família. Não iriam comprar maquiagem, peruca e roupa de mulher para mim. Comecei a fazer programas com 14 anos, em Macapá, no Amapá. Não contei para meus parentes. Foram descobrindo aos poucos. Os problemas foram aumentando. Meu pai não aceitava. Sofri um bocado, mano…
Qual é a sua rotina?
De casa para a esquina, da esquina para casa. Já passei por tanta coisa ruim em Jundiaí. Tive depressão. Não saio de dia. Tenho medo. Fico no quarto escuro. Só saio à noite. Parece que o medo me prende. A minha rotina é assim…
Para esta vida é preciso ter luxo?
mano, em qualquer loja de R$ 10 eu estou entrando. Vestido pra mim não precisa ser caro. Vou ao Brás e compro coisas baratas e bonitas. Não tenho a doença do luxo. Mas tenho orgulho. Sou orgulhosa. E levo a vida desta forma….
Tem um relacionamento fixo?
Seria bom ter um dia para ver como é…
Como divulga o seu produto?
Outro erro. Tratar a gente como produto, como se fôssemos xampu bem barato. Nós somos seres humanos. Melhor seria falar assim: “como você divulga o seu trabalho”. Faço isto através das redes sociais, de cartões de visitas…
Como é seu atendimento?
É bem legalzinho. Mas sempre é bom deixar claro: quem decide as coisas nesta porra sou eu! Não é porque estão pagando que vão fazer o que quiser. Eu é quem decide…
Você gosta de fazer programa ou só faz por dinheiro?
Só se trata de dinheiro. Não gosta de sair com homens estranhos, imundos, nojentos. Gosto do dinheiro…
Você já se apaixonou por um cliente?
Não. Gostei de um. Mas não foi paixão…
No filme “Uma Linda Mulher”, a personagem de Julia Roberts é uma prostituta que não beija na boca. Para ela, este gesto é muito íntimo para se ter com um cliente. O que você acha do argumento dela?
Ela tá certa. Além do mais tem tanto homem com mau hálito, que não escova os dentes, que nos procura com bafo, cheiro de bebida na boca. Dá vontade de vomitar…
Na cama, qual é o seu limite?
As coisas vão até onde eu decidir. Se tiver muita frescurinha já digo: vamos embora. Quer pagar paga. Se não quiser, não paga.
Você exige que o cliente use camisinha?
Sim, claro. Não sei onde ficam enfiando o negócio deles, não sei de onde eles vêm…
Você só atende clientes de Jundiaí?
Atendi e atendo clientes dos quatro cantos do Brasil.
Você tem muitos clientes fixos?
Sim. Eles gostam de mim porque eu falo as coisas na cara. Sou bem verdadeira e higiênica. Sem contar a minha massagem relaxante. Eles gostam muito.
Só atende homens?
Só homens. Comigo não tem este negócio de mulher com mulher se beijando não. Dou uma voadora na fulana que me procurar. Ela vai parar longe!
É verdade que os trans têm mais clientes mulher?
Sim. Bicho, tem tanto trans surgindo! Você olha e diz que é mulher, uma deusa de tão linda, com corpos e rostos do céu. Já as prostitutas não se produzem…
Quanto você fatura por mês?
Olha, nunca fui de somar. Mas um dia qualquer vou fazer as contas.
O que você faz com o dinheiro que ganha?
Gasto com coisas úteis. Pago o aluguel, vou ao mercado e gasto com estética para o corpo e rosto.
Ganha muitos presentes dos clientes?
Difícil, hein? Os caras são muito ‘mão de vaca’. Ainda mais os de Jundiaí!
O que já conseguiu comprar?
Para mim, nada. Mas reformei casa da minha mãe.
Como é a convivência com a polícia?
Acho que a polícia deveria dar mais assistência para nós. É triste que o Brasil seja deste jeito. Tá certo que tem muitas de nós que aprontam. Mas não é certo, quando quando uma morre logo vão falando “é um travesti”, num tom pejorativo. Os jornais registram como se fosse um bicho que morreu. Deveríamos ser vistos como pessoas. Somos seres humanos. Mas, a maioria não tem sentimentos. Quase todos têm coração de pedra.
O que você diria para quem pensa em começar nesta vida?
Diria: bicho, estude, se forme, siga sua vida com dignidade, bem longe desta. Busque um caminho no qual você não precise passar sono, ficar na rua, à noite, no frio, esperando clientes para ganhar R$ 50, R$ 60, R$100. Quase todos pensam que somos uma coisa qualquer nas esquinas. Somos humilhadas, levamos ovadas, somos motivo de chacota.
Já viveu situações perigosas?
Muitas vezes colocaram revólver na minha cara para não pagar o programa. Muitas vezes mesmo…
Quais seus planos?
Quero fazer cursos na área da saúde e sair desta vida. Eu vou sair! Acredito em Deus! Aliás, para mim acreditar em Deus não é ir igreja e ficar prestando atenção na vida alheia. Deus está no coração.
Como você vê a sociedade?
Do mesmo jeito que a sociedade vê a gente: um lixo. Não tenho motivos para ver a sociedade de outra maneira a partir do momento que as mulheres me olham feio e os maridinhos delas me procuram no dia seguinte…
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