De repente parece que o Brasil vira no avesso, se é possível isso, diante do caos absoluto em que nos encontramos. Nada gira em redor de nada e a bagunça generalizada parece haver tomado forma neste momento. Numa cascata de inconsequências, de forma a tumultuar ainda mais a equação social, começamos a viver uma sequência de injustiças públicas que afetam a toda a população nacional. A gota d’água foi o caso nojento do estupro, em que advogado, juiz e promotoria se posicionam de modo muito infeliz, com palavras mais infelizes ainda: era a exposição da podridão jurídica de forma jamais imaginada. Quem esperaria ouvir tais absurdos e tais cenas de barbáries…
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
O fato é que isso é uma realidade e que toda a nação se organiza para fazer abaixo-assinados e encaminhar para uma revisão mais detalhada e adequada. Entretanto, qual a garantia de que esta Justiça – que a sociedade pede seja a Justiça adotada – apresente uma solução justa para o fato? Afinal, se todas as comprovações são reais e verdadeiras, se tudo que deveria servir de prova foi apresentado, por que houve tamanho desvio de rota, num caso prontamente resolvido? Será o fim dos caminhos da Justiça? Ou será o indício de que a Justiça não seja tão cega quanto esperávamos que fosse?
O medo que me abala é de que tudo se faça, tudo se discuta para no final ficar o dito pelo não dito, caindo no esquecimento geral e, daqui dez anos, surge aqui e ali uma notícia sobre o fato. Situação esta bem típica de nosso país. Muitos são os casos em que se faz um tremendo alarido e depois não se consegue acompanhar o desfecho e o caso morre ou fica na penumbra, sem divulgação (ou em sigilo da Justiça) e nada se sabe nem se decide. Muito triste esta situação que levanta expectativas do povo e não corresponde aos ideais do cidadão, por razões desconhecidas e nebulosas. Neste caso, em especial, não faltaram provas nem constatações, entretanto tudo foi distorcido e desdito. Onde ficou a Justiça? Onde estão os direitos humanos? Onde estão os defensores das minorias injustiçadas? Cadê o grito dos oprimidos?
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
De tanto nos silenciar, acabamos por pedir, clamar, brigar e dizer alguma coisa, em especial porque vemos que nossos pedidos nunca são levados a cabo, tão pouco nossas injustiças são sentidas por todos: cada dor tem um destino e a nossa se perde em meio a milhares de outras; isso nos tira a força e a potência para lutar. Sempre que algo de absurdo ganha notoriedade e não atinge os caminhos da Justiça, a população fica sensibilizada e acaba por desistir de lutar. Talvez seja esse o objetivo daqueles que atuam ridicularizando e diminuindo o acusador: acabam por fazer que ele se sinta errado e o deturpador seja o correto na questão. Parece-me que isto está virando regra e o poema de Eduardo Alves da Costa é um grande demonstrativo da situação presente, que se repete de tempos em tempos.
Mas a coisa é meio recorrente nas terras tupiniquins; basta que voltemos os olhos para assuntos assustadores da semana retrasada e de meses atrás, com dois ídolos do universo masculino: goleiro Bruno e Robinho. Ambos foram contratados para atrair patrocinadores e torcida aos seus clubes. Acontece que neste caso, dos atletas, as coisas deram efeito reverso e eles foram descartados, visto que ainda precisam cumprir com seus deveres sociais e pagarem pelos crimes cometidos. Não há o que se discutir e o machismo tóxico não dará vazão às insensatez e descasos legais e sociais que estão tentando fazer com que se tornem culturais.
Há solução para tais acontecimentos? Existe uma maneira que destrua tais intenções? Primeiro é preciso que percamos o medo de falar e de nos posicionar. É preciso que manifestemos nossos pontos de vistas, de modo claro, direto, objetivo e sem temer olhares, palavras e atitudes estranhas daqueles que não concordam com nossas intervenções. Nas redes sociais vemos muitos posicionamentos e poucas manifestações; é usual que nossos leitores leiam e curtam. Mas isso não ajuda. Curtir não facilita, não ajuda, não modifica a sociedade; é preciso mais do que curtir. É preciso que haja manifestação, que se discuta o assunto, que se ofereça pontos de vista, que se articule diante dos fatos. Isso é exercer o direito a cidadania; isso é tentar mudar a sociedade e olhar para aquilo que já não suportamos mais.
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Se buscarmos parceiros, se conversarmos sobre o assunto, se falarmos com nossos amigos e companheiros, talvez consigamos uma sociedade mais esclarecida, mais lúcida, mais ativa (e não apenas uma sociedade que curta tudo e não mude nada; preferível não curtir e mudar do que curtir e…curtir apenas). Estas atitudes iniciam-se nas famílias, nas escolas e precisam ser pontuais e continuas; cada mudança social demanda muitas atitudes que acontecem de forma isolada mas reforçam os ideais da transformação.
Se entendemos que temos um machismo tóxico em nosso entorno, é preciso que saibamos como confrontá-lo; respeito aos pais é uma coisa e aceitação de abusos e ações agressivas e violentas é outra. A empatia se faz quando além de compreender a dor do outro, ofereçamos meios de superá-la e caminhos e propostas diferentes para seguir em segurança. Apenas curtir não ajuda ninguém e me mostra solidariedade: representa que você sabe, que você lê. E isto, neste momento, não significa nada para a cultura do machismo tóxico.
O que vale é ter atitude e congregar forças para a mudança. Agir. Modificar. Reestruturar. Punir culpados e curar feridos. Enquanto houver tempo, esta deve ser nossa atitude. Enquanto houver tempo
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho e nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada. (Foto: moraliza.com)
AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology. Aluno da FATI.
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