Depois do sétimo dia é um relato dentro de um relato. Aqui estão colocadas algumas das informações imprescindíveis sobre a vida de Henrique Vitarelli, narrada por Manoel Olivares. Ler essas frases é como colocar-se em um labirinto, ou como enamorar espelhos quebrados. Nada está concluído…
“Não há um dia em que eu não pense em suicídio” – serão as últimas palavras lidas neste curto diário iniciado sete dias antes da frase citada. Copiei o texto de um dos caderninhos brochura, capa verde-musgo e páginas de um amarelo hipnótico. Henrique Vitarelli, meu amigo-irmão de escrita, deu aulas por sete anos nas Escolas Padre Manoel de Nóbrega Ltda. Seu sumiço desde o dia 30 de dezembro tem intrigado as pessoas com quem ele convive. Este e outros diários são o último vestígio.
Em nossa cidade, Jundiahy, Henrique é conhecido como ótimo professor, muito embora divida opiniões ao seu respeito. Além disso, escreve para pequenos jornais da região. Suas publicações em sites e blogs, provocativas e cheias de humor, projetou sua imagem durante a quarentena causada pela pandemia de Covid-19.
Recebi o caderninho via correio, enviado pelo próprio Henrique, no dia 30 de dezembro. Parece-me que, antes de evaporar às vésperas do ano novo, meu amigo ou quis dar pistas de seu desaparecimento, ou, talvez, provocar o senso detetivesco de seus camaradas. Reli muitas vezes, ainda fico confuso. Semanalmente a gente se encontrava para umas cervejas e conversas sobre a vida. O diário inicia-se exatamente um mês antes do desaparecimento; estende-se por sete ou oito (depende da forma de contar) dias; e acaba, brusco, bem antes do ocorrido que tem nos preocupado.
Entre os dias 7 e 8 de dezembro Vitarelli e eu trocamos mensagens de celular, tudo aparentava estar bem. Mas a calmaria ocultava problemas que eu até então desconhecia. Apesar de expansivo, Henrique sempre mantinha certa distância, sobretudo nos assuntos pessoais. Essa história está longe de um desfecho.
A ausência dele pode ser justificada por motivos distintos: ele pode ter ido até um templo budista ou capuchinho – Henrique tem momentos místicos; talvez tenha encontrado um novo amor e esteja farreando – apesar do recente término de relacionamento, Henrique é mulherengo; ou, ainda, pode ter tido uma recaída no alcoolismo e estar desorientado, vagando pelas ruas, talvez aqui, talvez em São Paulo. Os rabiscos não dão pistas. A única certeza que tenho é a de que ele estava realmente de saco cheio de dar aulas e de tolerar essa quarentena claustrofóbica. Torço para que meu amigo esteja bem e mande notícias.
Manoel Olivares, janeiro de 2021
30/11/2020
Segunda-feira, 06h08min, manhã nublada que eu vejo nascer.
Há duas horas estou insone, desde sexta-feira meus olhos têm doído muito, mas não quero ir ao oftalmologista, não para reafirmar o que já é óbvio; que os danos nas minhas córneas só pioram.
Mais um dia longo de aulas online: o corpo está exausto, mas a mente não se deixa desligar.Hoje serão mais de 12 horas quase seguidas: 6 aulas de manhã, pausa de 10 minutos entre cada uma delas, exceto o horário de intervalo,às 9h30min, que é de 25 minutos; 6 aulas durante a tarde, daí intervalo de 25 minutos, mas às 15h30min – tenho que aproveita para ir até a Lotérica, pagar contas de água e luz, do mês passado. (Ainda não consegui usar o meu Auxílio Emergencial do FGTS).
Pra jantar tem resto do macarrão que eu cozinhei sábado, antes de corrigir as provas da recuperação. Segundas e terças não me dão trégua: mastigo meia dúzia de bolachas no almoço e volto à lida – minha gastrite se vingará. A partir das 19h30min, tenho que gravar duas aulas “extras”. Hoje só darei aulas para escola privada – e deve ser por isso que me sinto um merda.
01/12/2020
Terça-feira, 05h43min, é só o começo.
Eu só principiei a ter insônia depois que trabalhei no período noturno, na Fábrica de Laticínios & Biscoitos Jundlat. Entrei como auxiliar da linha de produção, eu ganhava uma miséria, mesmo com adicional noturno. Demorou sete meses para eu me tocar que a vida no chão de fábrica não era pra mim.
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Acabei entrando num Cursinho Popular Pré-Vestibular. Trabalhei e estudei duro no ano de 2005, roncava em bancos de ônibus, não tinha um centavo e só queria saber de livros. Seja como operário explorado; universitário pobre ou, agora, como professor, meu sono sempre foi testado. Seguimos em desgoverno, muitas mil vidas perdidas e nada, o país segue mais aloprado que a quarta série C do ano passado.
Darei 12 aulas. De noite tenho que montar provas que eu deveria ter entregado semana retrasada. Sou o coelho de Alice, mas aqui não é sinônimo do país das maravilhas. Já em fevereiro eu atrasava na entrega dos planos de ensino, conteúdos de provas e relatórios de projeto pedagógico. A escola parece um fórum. Tudo isso faz lembrar o Kafka. O celular virou ferramenta de trabalho, mas sem pausa.
HILDON VITAL DE MELO
‘Jundialmente’ conhecido. Escritor e pesquisador à deriva, mas professor de filosofia, por motivos de sobrevivência.
E-mail: vitaldemelo@yahoo.com.br – Instagram: @camaleao_albino
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