Eu cresci lendo Histórias em Quadrinhos. Embora não seja uma característica muito forte de minha personalidade, eu sou fã das HQs de Superman, Batman, Homem Aranha e Demolidor. Exatamente nesta ordem. Muito bem, para os que não estão familiarizados com o universo, os dois primeiros pertencem à DC Comics; os dois últimos à Marvel, as duas principais editoras e detentoras dos direitos autorais.
E desde que a nova onda de super-heróis alcançou o cinema e a TV, o universo dos quadrinhos deixou de ser exclusividade do cotidiano nerd e vem se multiplicando no gosto popular, na medida em que as grandes editoras avançam com novos filmes e seriados.
Desde 2015, a Warner e a DC Comics afiam suas armas para competir com a Marvel e os seus Vingadores. Além dos novos longa-metragens do Superman, Batman, Mulher Maravilha, a DC vem abrindo espaço com os seriados exibidos no canal Warner. Aos pioneiros Arrow (ou Arqueiro Verde aqui no Brasil) e Flash, juntaram-se a Supergirle o mashupDC Legends of Tomorrow, que reúne vários personagens.
Muito bem, chegamos onde eu queria. Nenhum meio tem sido mais influenciado pelas novas práticas politicamente corretas, que agora dominam Hollywood, do que os seriados de TV. Para entender o que estou dizendo, basta assistir uma cerimônia de qualquer premiação (do People’s Choice Awards até o Oscar) e notar o quão extremos estão as coisas.
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E nenhum outro seriado tem sido tão radical em seguir as novas regras ditadas pelo Grande Irmão do que Supergirl. O que já era de se esperar. Todos os elementos conspiram naturalmente para o politicamente correto, começando pela heroína, uma mulher feita sob medida para o novo figurino feminista. Mas as mudanças não param por aí. Jimmy Olsen, personagem emprestado das HQs do Superman, deixou de ser ruivo e desengonçado para surgir negro, atlético e descolado.
Mas a mudança mais radical aconteceu com o início da segunda temporada. Alex Danvers, irmã adotiva da Supergirl conhece a policial durona Maggie Sawyer. Logo no primeiro contato, ela descobre que a policial tem uma namorada e que o relacionamento está em crise. Não demora muito para que a irmã da Supergirl perceba que finalmente está encontrando sua praia e, um ou dois episódios depois, sem muita enrolação, engatou seu namoro com a policial, com um bom espaço dedicado às reações da irmã, dos colegas de trabalho, amigos e família. Era fundamental deixar claro que aquela situação não incomodava ninguém do elenco. Do diretor até o contra-regra!
Para completar, num dos últimos episódios, Supergirl, a própria, vai para a cama com seu novo namorado, um debochado, irreverente e, por que não dizer, machista super-herói que logo terá que dançar miudinho para manter-se na linha para a poderosa e feminista heroína. E o que significa tudo isso para um velho e inveterado fã? Absolutamente nada ou, no máximo, uma tremenda perda de tempo.
É comum tratar personagens de HQs como machistas e antiguados. Principalmente quando eles invadem outras mídias como o cinema ou a TV. Bem, de fato, a grande maioria é machista e antiquada, se considerarmos que os personagens mais recentes foram criados na década de 60. O fato é que questões como a sexualidade ou posturas pessoais de heróis de histórias em quadrinhos eram ignoradas por serem absolutamente irrelevantes. Não tinham importância nenhuma para o contexto da época.
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Na verdade, o que vemos é justamente os reflexos do que é ou deixa de ser importante para determinadas gerações. A maioria dos super-heróis surgiu ainda sob a comoção da grande depressão, cujos efeitos avançaram pela década de 30 e, depois, sob o impacto da segunda grande guerra. Os problemas vinham carregados com roupagens bem reais. Apenas a partir da década de 80, aspectos psicológicos, éticos ou morais começaram a ser explorados.
E, só agora, questões como discriminação, machismo e meio ambiente entram em pauta. E entram, em grande parte, por que cada vez mais esses temas tornam-se obrigatórios. Demoraram décadas para que um super-herói fosse o responsável pela morte de um vilão(a cena do Coringa deixando-se cair do alto de um prédio no primeiro longa com Batman, em 1989, é emblemática). Agora, os apelos pela preservação da vida quase sempre escorregam entre os limites da pieguice.
Em alguns aspectos, a imposição de correções torna-se irritante. Para os fãs mais idosos (como é o meu caso) incomoda essa necessidade de mudar o que já está estruturado apenas para se adequar às novas normas. Pensando bem, não faz diferença alguma que Jimmy Olsen seja ruivo desajeitado ou um negro atlético. Ele se encaixaria perfeitamente em qualquer situação. O ponto está justamente nessa imposição da mudança, nessa obrigação para que velhos roteiros sejam reescritos. Que é o que estamos vendo cada vez com mais frequência, com várias histórias passando não apenas pela refilmagem como pela reciclagem.
E o problema nisso tudo nem são as mudanças exigidas. Mas esse ranço fascista que nos remete a outras histórias não tão agradáveis quanto as boas e velhas HQs.
RONALDO TRENTINI é jornalista e escritor. Com passagens pelo Jornal de Jundiaí, Jornal da Cidade, Jornal O Tempo e A Tribuna de Jundiaí. Foi secretário de Comunicação na Prefeitura de Jundiaí. Escritor independente, é autor da série Mistério & Sombra, disponível na Amazon.com.br, entre outros livros.