São quase seis da tarde, e a mãe já passou pela porta do quarto do filho, de 15 anos, diversas vezes. O adolescente, em plena adolescência, voltou da escola às 13 horas, almoçou, foi direto para o quarto, fechou a porta e não saiu mais. A mãe pensa: “meu filho não sai do quarto, será que ele está com algum problema? Será se eu fiz algo que o desagradou? Isso é normal? Quando ele era mais novinho, a gente conversava tanto! Ele era uma ótima companhia, agora fica tão isolado, sozinho”.
Isolado dos pais… sim, sozinho não. O filho pode estar socializando no mundo virtual. Na experiência subjetiva das novas gerações, não há divisão entre mundo real e mundo virtual. Nesta perspectiva, o quarto e os meios de comunicação digital aproximam adolescentes de seus pares, aplacando a angústia gerada, sobretudo, pelo abandono dos papéis infantis.
Esta é uma cena muito comum. Frequentemente, a preocupação dos pais surge como queixa nos consultórios de medicina ou psicologia. É como se o afastamento dos pais, na adolescência, fosse algum tipo de problema, algum conflito pelo qual a filha ou filho adolescente estivesse passando. Na grande maioria dos casos, não há com o que se preocupar, apenas acompanhar.
Claro que se trata de um período turbulento, desafiador, que pode ser mais ou menos intenso para cada pessoa. Transformações hormonais, corpóreas, aparecimento dos caracteres sexuais secundários, busca por identidade, pressões sociais por escolhas profissionais, sexualidade etc. Nenhuma outra fase do desenvolvimento humano é tão marcada por mudanças físicas e questões relacionadas ao desenvolvimento psicossocial.
Se pensarmos nos desafios que se vive ao sair da infância, o momento da adolescência caracteriza-se por uma espécie de crise, chamada por alguns estudiosos de “Síndrome da Adolescência Normal”. Síndrome significa um conjunto de sintomas, mas este trocadilho destaca a normalidade, e não uma patologia.
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a adolescência compreende o período entre 10 e 20 anos incompletos. Nosso Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) delimita a adolescência entre 12 e 18 anos. Tendemos a pensar que, a partir da adolescência, a pessoa já é um protótipo de adulto. Não deveria mais se comportar como uma criança. Mas o processo de desenvolvimento é mais complexo que uma simples “passagem”, da infância para a adolescência, pois trata-se de um fenômeno biopsicossocial.
Na neurociência, por exemplo, só chegamos à fase adulta por volta dos 25 anos. O marcador é o estágio final de maturação do córtex pré-frontal, estrutura responsável pelo controle inibitório, regulação comportamental, planejamento e tomada de decisões. Isso explica porque, na adolescência, somos mais impulsivos, mais emocionais e menos racionais. Do ponto de vista comportamental, muitas queixas dos pais serão resolvidas pela própria biologia. Mas não espere isso acontecer aos 15 anos.
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A noção de adolescência, como fase do desenvolvimento, é uma construção social muito recente. Na idade média, este período não existia. As crianças, desde muito pequenas, eram consideradas adultos em miniatura. A partir da metade do Século XX, com os avanços teóricos e tecnológicos em saúde, surgiu a “hebiatria”, ou seja, uma especialidade médica, dentro da pediatria, focada nesta fase peculiar da vida.
Ao mesmo tempo que é um período de enorme crescimento e potencial criativo, é também uma etapa de risco considerável, durante o qual os contextos sociais exercem fortes influências. Com isso, o acompanhamento da hebiatria e a escuta da psicologia são muito importantes, apoiando adolescentes e seus pais a contornar os desafios, valorizando as potencialidades.
Voltando à cena inicial, já perto das 19 horas, a mãe está na cozinha e ouve a voz do filho. Ele abriu a porta do quarto e gritou: “o jantar tá pronto? Tô com fome”. Tudo normal, é só adolescência.(Foto: Ketut Subiyanto/Pexels)
MARCELO LIMÃO
Sociólogo, psicólogo clínico, especialista em “Adolescência” (Unifesp) e “Saúde mental no trabalho” (IPq-USP). Colaborador no “Espaço Transcender – Programa de Atenção à Infância, Adolescência e Diversidade de Gênero”, da Faculdade de Medicina da USP. Instagram: @marcelo.limao/Whatsapp: (11) 99996-7042
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