ALEGRIA DE VIVER

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A alegria de viver, em tempos marcados por crises múltiplas e pela sensação de instabilidade permanente, é mais do que um sentimento: é um posicionamento existencial. Encontrar alegria não significa negar a dor, a angústia ou as dificuldades que nos atravessam, mas ser capaz de reconfigurá-las em um horizonte em que a vida continua a valer a pena. Trata-se de um gesto crítico, pois desafia a cultura do cansaço e da desesperança que se espalha em sociedades sobrecarregadas pela pressão do desempenho, pelo medo do futuro e pelo esvaziamento dos vínculos comunitários.

A alegria, nesse sentido, não é alienação, mas resistência; é a capacidade de, em meio ao caos, enxergar o que permanece luminoso e transformador. Ela não está vinculada apenas a conquistas exteriores, mas ao cultivo de um olhar capaz de encontrar beleza nos pequenos gestos, sentido na partilha e força nas experiências cotidianas.

Nesse processo, a fé surge como elemento fundamental, não necessariamente vinculada a tradições religiosas específicas, mas compreendida em seu sentido mais amplo: a confiança em algo maior que nós mesmos, que pode ser Deus, um princípio espiritual, a força da natureza ou até mesmo a esperança na humanidade. A fé não elimina as incertezas, mas permite enfrentá-las com coragem. Ela funciona como âncora em meio às tempestades, pois oferece horizontes de significado que transcendem o imediato.

Em uma era em que o niilismo ameaça esvaziar a experiência humana e em que o excesso de racionalidade instrumental tende a reduzir a vida ao cálculo, a fé resgata a dimensão simbólica e espiritual da existência. Criticamente, é preciso reconhecer que, sem essa abertura ao transcendente ou ao incondicional, a vida corre o risco de se reduzir a mera sobrevivência, desprovida de profundidade e propósito.

A autoconfiança, por sua vez, é a dimensão interna que sustenta a possibilidade de agir no mundo. Diferente da soberba ou da arrogância, a autoconfiança não se confunde com a ilusão de onipotência, mas na consciência de nossas capacidades e limitações. É a confiança de que, mesmo diante de fracassos e adversidades, somos capazes de nos reerguer, de aprender e de continuar. No entanto, vivemos em um contexto que fragiliza essa autoconfiança, uma vez que a sociedade contemporânea, em vez de incentivar o fortalecimento do sujeito, insiste em comparações constantes, em exigências inatingíveis e em padrões de sucesso que produzem sentimentos crônicos de inadequação.

Ser autoconfiante hoje é, portanto, um ato contra hegemônico: é recusar a lógica da competição desenfreada e apostar em uma relação saudável consigo mesmo, em que as conquistas são celebradas, mas as falhas também são acolhidas como parte do processo de crescimento humano.

É nesse cenário que a resistência psicológica se torna indispensável. Trata-se da capacidade de enfrentar adversidades, de se reconstruir após perdas e de não sucumbir diante de pressões externas que frequentemente ameaçam a integridade subjetiva. A resistência não é insensibilidade nem frieza, mas, ao contrário, é a força que se alimenta da esperança, da fé e da autoconfiança para persistir.

Em tempos em que a saúde mental se apresenta como uma das maiores fragilidades sociais, falar de resistência psicológica é falar de recursos internos e coletivos que possibilitam ao indivíduo não apenas sobreviver, mas continuar vivendo com dignidade e sentido.

A resistência é, ao mesmo tempo, pessoal e política: pessoal porque cada um enfrenta suas próprias batalhas íntimas, e política porque a estrutura social muitas vezes impõe sofrimentos desnecessários, exigindo estratégias coletivas de enfrentamento. A alegria por viver, a fé e a autoconfiança se entrelaçam, nesse sentido, como pilares de sustentação dessa resistência.

A contemporaneidade nos mostra, porém, que esses pilares são constantemente desafiados. O excesso de estímulos, a cultura da comparação, a precarização das relações humanas e a insegurança econômica e existencial produzem uma geração de indivíduos exaustos, muitas vezes privados da possibilidade de encontrar a alegria simples de estar vivo. A fé, diante desse cenário, pode ser vista com desconfiança ou relegada ao espaço privado, quando poderia representar uma poderosa fonte de resiliência coletiva.

A autoconfiança é corroída por modelos inalcançáveis de sucesso, e a resistência psicológica, em vez de ser cultivada, é frequentemente confundida com a obrigação de suportar silenciosamente sofrimentos insuportáveis. A crítica que se impõe é a de que precisamos resgatar essas dimensões não como slogans vazios, mas como práticas reais de cuidado, de educação emocional e de fortalecimento subjetivo.

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A alegria de viver, a fé, a autoconfiança e a resistência psicológica não são dons inatos, nem privilégios de poucos. São construções que exigem cultivo contínuo, escolhas conscientes e apoio mútuo. A alegria floresce quando não estamos sozinhos, quando podemos partilhar nossas dores e conquistas; a fé se fortalece na comunidade e na esperança de que não caminhamos isolados; a autoconfiança se solidifica quando aprendemos a reconhecer nossos progressos sem nos escravizar ao olhar alheio; e a resistência psicológica se consolida quando entendemos que cair não significa fracassar, mas que levantar-se é sempre possível. Em um mundo fragmentado, o desafio está em não perder de vista que essas dimensões, apesar de frágeis, podem se retroalimentar, criando uma espiral positiva capaz de sustentar vidas mais plenas, mais éticas e mais humanas. É nesse entrelaçamento que se encontra uma das respostas mais urgentes para os dilemas de nosso tempo: não apenas sobreviver, mas viver com alegria e coragem.

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona, ainda, na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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