Fui iniciado na arte de ser paciente. Aliás, venho sendo submetido a esta nova aprendizagem desde agosto de 2018, quando meus movimentos começaram a se transformar e a se encurtar. Eram idas e vindas sem fim aos médicos, aos milagreiros, aos esotéricos, sendo sempre recebido com a frase doce e promissora: é preciso ser paciente.

Como se paciência fosse uma espécie de planta ou de remédio que se encontra em vários locais e que se consome sem parcimônia, mas diuturnamente, porque tem que se ter paciência. Não sei se me expressei adequadamente: tem que se ter paciência. Igual ao ditado da moda: tem que ser feliz (o coitado está fodido e estropiado, mas ele TEM que ser feliz, não é Dr. Karnal?).

Seguindo a esta lógica ilógica, percebe-se que, no pós-moderno, o homem tem direito a ser diferente, desde que igual aos demais. Que lógica insonsa é esta? Que filosofia da felicidade ou que filosofia da paciência querem nos impor, se somos diferentes e temos nosso dever de escolha, seja ele qual for?

Comecemos por aqui…


O sujeito está numa cama, 24 horas do dia, imóvel, vazando por drenos e sondas, olhando para o teto do quarto, 38 pontos na lateral do corpo, sem vontade de piscar. Mas seja paciente que logo passa. O sujeito está sentado (num terrível ângulo de 45 graus, sem se mexer, estático), tentando mover braços e pés, tentando ler algo ou escrever, tentando exercer direitos sobre seu corpo, que não lhe pertence, tentando não pensar no inativismo e tem que ouvir: paciência, faltam só cinco dias.

Aquela comidinha insonsa, aqueles 10 travesseiros para calçar pé, perna, bunda, costas, braço, barriga, orelha e sei lá mais o que, aquelas toalhas para cobrir o corpo nU, aqueles fios que drenam, aquela televisão que fala que Bolsonaro reduziu os 30 e poucos ministérios em apenas Y, aqueles críticos que dizem que os ministérios juntados são incongruentes, aqueles críticos que dizem que o “catado” dos ministérios dará resultado pela visão técnica de quem estará na frente deles; aquelas opiniões sobre o juiz Sérgio Moro, sobre ser bom ou ser mau, aquela chamada pro vamos quebrar tudo, vamos resistir, ‘ô Meo Deos’. Que exercício de paciência a pessoa faz para aturar tudo isso num pacote só!!!!

Claro que não esqueci dos impertinentes, dos insistentes, dos atrevidos, dos invasivos que não entendem e não buscam entender o significado da palavra “não”. A insensibilidade destes chega ao ponto de pensarmos em excluí-los usando o “kit Bolsonaro” por meio de um tiro de fuzil. Assim, de maneira fugaz e direta, deixariam de atormentar os já atormentados pela Vida. E vamos ser claros e diretos: não são amigos não é? São inconvenientes, porque amigo espera você dizer: vem me ver. Amigos esperam você sinalizar que está íntegro para receber.

O que dizer disto: tenha paciência, logo passa.


Cada vez mais percebo o quanto preciso estudar e aprender mais. As vezes penso que me faltam mais saberes sobre Filosofia, outras vezes sobre Sociologia e em outras Psicologia; mas sinto que me falta mais sintonia que com saber popular, com o saber coletivo. Que bicho estranho este tal de homem. Muito estranho.

Se entra João, nada que João faz é bom. Se entra Pedro, nada será partilhado. Se entra Bete, não andará. Só pode entrar Felipe!!!! Somente com Felipe haverá salvação. Minha percepção de mundo me indica tantos caminhos e tantas costuras que fico me perguntando se a tal democracia é isso. Democracia é não reconhecer o vencedor? Democracia é não enxergar radicalismos? Democracia é radicalismo.

Numa escolha entre menos “escolhíveis”, podemos pensar na formatação de um Frankenstein menos desastroso ou somos obrigados a pegar as armas e sair eliminando os mortos-vivos? Que momento é este que estamos vivendo, em que as pessoas se negam a enxergar as verdades e os desastres já perpetuados por nossos anteriores mandantes e se negam a ter um plano B para estabelecer a ordem? Mesmo o plano B não sendo o melhor, mesmo sem ter admiração alguma, é preciso sair do olho do furacão para ter possibilidade de repensar e ressignificar algo novo; em algum lugar do Mundo foi diferente ou somos realmente a exceção?

Tenho medo da resposta, pois somos exceção em roubos, em corrupção, em abandono, em descaso, em saúde zero, segurança ineficaz, educação sucateada, estado ausente, taxas de impostos surreais, avanços de doenças já erradicadas, famílias vivendo de benesses oficiais, delações oficiosas, promessas não cumpridas e medo generalizado diante daquilo que o Mundo civilizado nos ensina.

Alguns antropólogos contemporâneos apontam para questões culturais que balizam os comportamentos tupiniquins, mas é dolorido perceber que alguns países saem da zona do crime organizado e se libertam e outros insistem em não perceber que estão na rota dos crimes organizados. Isto é cultural?


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Meus alunos vieram da UNESP para me visitar. Andaram uma hora e meia para chegar e outra uma hora e meia para voltar. Ficaram 15 minutos comigo, lotaram meu quarto, trouxeram as notícias do meu mundo, falaram do nosso laboratório, traçamos planos para nosso congresso de 2019, pensamos na finalização de nosso ano letivo, repensamos minhas próximas ações diante da aposentadoria (porque eu não vou pagar para ver), esboçamos novos contatos, reorganizamos a vida e realinhamos projetos. Suave, rápido, assertivo, sem mi-mi-mi. Conosco não é preciso desenhar. Obrigado meninos, tenho um orgulho enorme das minhas crias.

Esqueci de dizer: a cada dia creio mais em Deus. O Estado é laico e eu sou livre para exercer minha fé.(Foto: www.hollywoodreporter.com)


AFONSO ANTÔNIO MACHADO

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia, editor-chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.