ARTISTAS permaneceremos. Apesar dos pesares cotidianos

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Gostaria de já enfatizar que toda essa dissertação sobre vida e arte faz parte do meu contexto e minha vivência, mas convido demais profissionais da área a me contatar caso queiram passar seu ponto de vista por aqui em minha coluna. Dentro do meu universo, os artistas em sua maioria estão cansados de formas múltiplas. Cansados de buscar oportunidades em espaços privados, já que muitos lugares nas cidades ao redor não se sentem confortáveis ou talvez não veem sentido em apoiar artistas por além de cantores solo que cantam covers no violão. Aliás, músicos estes que cantam e tocam por horas para muitas vezes receber pouco em comparação ao tempo de serviço. Estão cansados também de esperar apoio popular regional, o suporte de um público que embora exista, muitas vezes nem se mostra presente: não comparecem a eventos com muito esforço realizados por aqui pois preferem quase sempre ir para São Paulo em seu tempo livre. Por fim, vejo artistas cansados por aguardar oportunidades vindas do sistema público, da prefeitura e muitas vezes essa expectativa é também quebrada.

Toda essa exaustão é  sentida em questões monetárias. Praticamente todos os artistas que conheço possuem um outro trabalho, um que pague as contas, já que apenas com a arte é realmente difícil ser bem-sucedido financeiramente. Assim, o dinheiro oriundo de trabalho suado não-artístico não é apenas usados para pendências da vida adulta como é para qualquer um, mas vai também na aplicação e investimento de sua própria arte, pois quem é artista independente há um certo tempo sabe que esse dinheiro possivelmente não virá de outro lugar.

Além disso, temos o esforço versus tempo, afinal, qualquer obra leva horas, dias, meses, e até mesmo anos. É recorrente a rotina de, depois de um dia inteiro de trabalho CLT, ao chegar em casa trabalhar mais, mas dessa vez com algo proveitoso para si. Ser terapêutico ou não, o fato é que ao desenvolver projetos artísticos precisamos de tempo, e é de um esforço gigantesco superar o cansaço cotidiano para começar uma nova área de trabalho, que pode acabar em algum momento durante a madrugada mesmo que no outro dia seja preciso acordar cedo. E assim vivemos um dia após o outro, retroalimentando nossa própria arte na base do possível.

Se você leitor é alguém que não faz parte da classe artística talvez pense (ou já tenha pensado) em como tudo isso se dá por escolha, pois no fim das contas ninguém é obrigado a fazer arte e viver essa vida. Se você já pensou nisso, saiba que não está errado. A questão é que para um artista, a arte está também atrelada ao propósito nessa passagem curta que temos no mundo. É como se quiséssemos deixar nossa marca por aqui, mudar vidas de alguma forma, nos curar de algo ou simplesmente tratar a arte como parte de um egocentrismo pré-existente. As motivações podem ser muitas, mas um sentimento geral para artistas é que por mais que tentássemos viver como não artistas, não conseguiríamos ser plenamente felizes. Esse caminho obviamente não é o mais fácil, mas é o que nos move, o que nos dá, nesse estilo de vida tóxico e caótico, um sentido. Li uma vez na internet a seguinte frase: ‘respiro artes para não perder o fôlego’. Acredito que essa afirmação explica bem o que quero dizer.

Pois depois de dissertar a problemática, precisamos procurar uma resolução. O que precisamos fazer enquanto artistas? O que gostaríamos que outros fizessem? Bom, já aviso que não existe uma resolução de fato, mas posso compartilhar minha vivência depois de anos tentando permanecer na área. É primordial entendermos que arte faz parte da cultura e que não existe uma sociedade sem ela, então sim, arte está diretamente ligada ao povo. Arte é um movimento social! A partir disso precisamos aceitar de uma vez por todas que por mais que a obra de um indivíduo específico seja para consumo próprio sem interesse no expositivo ou seja um mecanismo de autoterapia sem cunho monetizável, a partir do momento que uma outra pessoa entra em contato com esse feito, a arte desse indivíduo ecoa mesmo que em baixa escala no senso cultural de um lugar pois não existe um senso apenas individual se existe o espectador, mesmo que seja um só.

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E se isso é um fato, por que não nos unirmos enquanto artistas já que somos uma peça muito importante na sociedade? Fazemos parte de um serviço coletivo e precisamos nos dar suporte, criar a nossa própria base de apoio já que sabemos que buscar isso no público geral aqui no interior é difícil. É sobre fazer ao próximo (artista), seja quem for, o que gostaríamos que fizessem conosco e tudo que queremos é que demais consumam, apreciem, prestigiem e apoiem nossos projetos. Aos poucos tomamos espaço, nos organizamos enquanto movimento e se mesmo assim o dinheiro não vir, ao menos os diálogos em busca de resoluções, a troca de experiências, o sentimento de ter tocado o coração dos outros virá. Talvez os esforços citados acima parecerão ter mais propósito. Nessa troca, nosso fardo pouco a pouco ficará mais leve pois sabemos que fazemos parte de algo maior e o coletivo nos fortalecerá apesar de todos os pesares.(Foto: Cottonbro Studio)

ANNA CLARA BUENO

De nome artístico Anubis Blackwood, é drag queen, artista performática e visual, professora de inglês, palestrante e produtora cultural. É membro do coletivo Tô de Drag, o primeiro de arte drag de Jundiaí e região. Colabora com o ‘Grafia Drag’, da UFRGS. Produz o festival Drag Vibes em colaboração com o coletivo, para democratizar a arte drag, mostrar sua versatilidade e levá-la a espaços e públicos novos por meio de performances plurais e muito diálogo.

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