Não gosto de escrever por encomenda. Como sempre digo, cada um escreve aquilo que entende ser o certo e adequado, quando quiser, onde quiser e porque quer. Entretanto, tenho sido questionado sobre as barbaridades que têm tomado rumo dentro das escolas públicas (como se barbaridades só acontecessem em escolas públicas) e sobre a incômoda situação do Dalai Lama. Diante da seriedade de ambos, não sei por onde começo, apesar de ter bem claro que uma coisa é problema nosso e outra coisa é problema de outro povo e de outra cultura.
Diante de tamanhas estranhezas e inadequações, olhamos para estes assassinatos e agressões que andam acontecendo, nas escolas, com olhares de quem busca a causa e não com olhos de quem se assustou e quer saber mais. A causa, essa sim merece ser descoberta. Não de maneira infantilizada como dizer que o rapaz joga “games” pela internet e isso é o motivo. Por favor, não subestimem as inteligências alheias e tão pouco subestimem os gatilhos psicológicos e a criação das pessoas; não se pode deixar de perceber a vulnerabilidade de nossos jovens diante de ideologias retrógradas e extremista.
Muitos outros delitos aconteceram (e acontecerão) por mãos de pessoas que nem se aproximam dos “games”, mas que atuam maleficamente por ser apenas isso que têm para oferecer. Não vi, nem li nenhuma reportagem séria que investigasse sobre o contexto de onde estes jovens vieram, suas famílias são desconhecidas; são filhos de ninguém e vivem em lugar algum. Como se o contexto não fosse, por si só, bastante severo em suas formações, em especial com o agravante dos grupos e comunidades online que fomentam todo tipo de desordem…
Não ouvi, nem li ao menos uma especulação sobre o quadro psíquico de nenhum deles: a ideia passada é que eles brotaram naqueles lugares e realizaram um feito sem explicação, entretanto…tem uma grande explicação. Os boateiros de plantão dizem que são filhos de pais separados ou sem pais; mas ser filho de pai separado faz de uma pessoa assassina? Ser filho sem pai transforma a pessoa em um animal? Conheço inúmeras pessoas que não conheceram seus pais ou são filhos de lares desfeitos que nunca cometeram delito algum. Qual será a ciência? Ninguém questionou o aumento do acesso à armas de fogo nem na crescente disseminação de discursos misóginos e racistas: qual o poder de destruição disto?
E, então, acordamos com notícias oficiais do Governo do Estado de São Paulo, que disporá de atendimento psicológico nas escolas, para docentes e alunos, na tentativa de abalizar e mediar os conflitos existentes. Grande tratativa, com alcance de excelente empreitada, uma vez que os olhares voltarão ao homem que habita estes ambientes, já tão sofridos e frios. O ambiente escolar está longe de ser um laboratório de empatia e harmonia: a discórdia e a competição reinam absolutas entre docentes, por milhares de motivos.
Assim como as crianças e adolescentes trazem, para este contexto, as mazelas de seus lares, perfeitos nas fotos do Instagran, mas reais, cruéis e, às vezes, maléficos em sua existência. Na verdade, todos nós precisamos de um acolhimento psicológico de modo a vencer o dia a dia que se nos apresenta cada vez mais pesado, triste e com barbaridades. Sobre os assassinatos, eles não foram frutos de um acaso: eles aconteceram quando a última gota transbordou o copo, com gatilhos das mais variadas conotações e descontroles emocionais infinitamente insustentáveis.
Não previstos e não controlados, como muitas situações da rotina de nossa Vida, mas muito trágicos e destrutivos, oriundos de mentes perversas que se moldaram no contexto onde foram criados e conviviam, esses gestos representam o limite de nossa força de suportar dores e discrepâncias que nossa sociedade insiste em não enxergar: as diferenças são enormes e as injustiças acompanham-nas, ainda que todos estejam com um discurso de empatia e de acolhimento.
Sobre as barbaridades temos os discursos, porém não temos as ações. Falamos muito e fazemos pouco. A própria escola discrimina e não cria atmosfera sadia de convivência entre seus pares, como vemos em grande maioria destes espaços educacionais. E não se trata da escola pública, apenas, entretanto estes foram os casos mais marcantes dos últimos dias. Infelizmente, aparenta que os grandes problemas da população brasileira estão focados na escola pública; mas vale perguntar: de onde saem os clientes desta comunidade escolar?
Achei muito interessante que em nenhum dos dois casos de barbaridades aqui comentados tenha sido falado das famílias deles. Acaso são filhos que nasceram do Tempo e do Vento e foram criados pelo Sol e pela Terra? Será que para estes dois o contexto não teve influência? Nada externo a escola ou ao bairro alterou seus modos de vida? Pais, mães, familiares não trouxeram nenhuma interferência nesta conjuntura macabra reinante nestas Vidas? Como somos fugazes e descaracterizadores diante da Vida alheia! Vemos as barbaridades, sabemos julgar, sabemos criminalizar, mas não sabemos analisar o contexto imperativo que nos rodeia e que nos oferece todo gatilho necessário para agirmos bestialmente, quando não temos uma formação de princípios morais e éticos alicerçados. Como somos tão iguais.
Está claro que não foram os “games” nem apenas o “bullying” que causaram esses quadros de terror. Mas precisamos admitir isto e buscar a origem do caos, o que é bem mais difícil, porque encontraremos detalhes que se assemelham aos que vivemos em nossas famílias: pais omissos, família colada no celular 20 horas por dia e diálogos educativos cada vez menores e tênues. Talvez seja por isso que fica mais fácil apontar para os “games” e os “bullyings” e não para a origem das más formações; caso optemos por olhares mais cirúrgicos, cortaremos da nossa própria carne.
E, daí, para fugirmos de uma análise mais pontual, resolvemos que devemos condenar o Dalai Lama, pelo gesto infeliz e sem noção, cometido, ao beijar um menino no país dele. Então, 90% dos que o apedrejam, agora, têm suas frases gravadas em seus “stories” ou Insta, por serem frases de efeito, mesmo que se não a vivamos: impressionam e isso é o que basta. Mas sabemos ao certo quem é Dalai Lama? O que ele representa para seu povo? Qual é seu povo? Quais são os traços culturais deste povo? Como esse povo encara esse ato?
MAIS ARTIGOS DE AFONSO MACHADO
REPENSANDO O POLITICAMENTE CORRETO
Então, fica mais fácil desfocar a busca do contexto diabólico nacional de barbaridades e apontar a arma para o Dalai Lama, do que olhar para os milhares de líderes religiosos de nosso país que fazem muito pior do que apenas beijar. Como a especularização da mídia consegue manipular seus adeptos pouco cultos ou mais despreparados! Pobre Dalai Lama (não estou inocentando a situação) que caiu de alegre neste momento, quando poderíamos estar debatendo propostas para solucionar os nossos problemas, ao invés de buscarmos resolução para o problema dos países asiáticos. Bela nuvem de fumaça, plantada em nossa cara, desfocando-nos dos nossos tormentos e angústias. E assim seguimos sem maiores análises e sem soluções palpáveis, deixando famílias despedaçadas e soluções grotescas como a de colocar policial armado dentro de escolas. Absurdo atrás de absurdo…voltamos a Idade Média.
Num período absolutista, as soluções são apenas para desviar olhares do foco de discussão e servir para bode expiatório. Sem análise profunda, sem debate nem consulta à base e soluções pífias e mal engendradas. Que rastro de cultura mambembe estamos construindo para nosso futuro!!!(Foto: Evelyn Chong/Pexels)
AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do Lepespe, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da Unesp. Mestre e Doutor pela Unicamp, livre docente em Psicologia do Esporte, pela Unesp, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology. Diretor técnico da Clínica de Psicologia da Faculdade de Psicologia Anhanguera, onde leciona na graduação.
VEJA TAMBÉM
PUBLICIDADE LEGAL É NO JUNDIAÍ AGORA
ACESSE O FACEBOOK DO JUNDIAÍ AGORA: NOTÍCIAS, DIVERSÃO E PROMOÇÕES